ITÁLIA: golpe, contragolpe e encruzilhada europeia …
A Itália deve (pode) ser considerada (e tratada como) um caso à parte. Daí podem decorrer outros perigos já que se trata de um país especial, isto é, onde a Europa, no século XX, observou displicentemente a natividade do fascismo.
A Itália para além do berço do fascismo - o que per si tem relevância história – é, simultaneamente, o país do ‘Risorgimento’, movimento unificador nacional, capitaneado pela burguesia romana e tramontana sob a batuta de Garibaldi, à margem do elemento popular e enfeudado a conceitos nacionalistas que o tempo tem demonstrado dificuldades na sua digestão. Esta unificação geográfica alcançada sob os auspícios da Casa de Sabóia não correspondeu à criação (automática) de uma identidade nacional.
A Liga Norte de Matteo Salvini alimenta-se dos mesmos ‘valores’ e das mesmas contradições embora a situação seja hoje substancialmente diferente da dos anos 20 do século passado. Mas não é furtuito, nem ocasional, que a Liga Norte tenha nascido com uma marca regional e alimente a velha e dicotómica confrontação entre o Norte e o Sul, isto é, é a resposta que a Direita ultraconservadora arquitectou para o País em que se pretende, em última análise, uma férrea subordinação dos mais fracos aos mais fortes.
O ‘golpe’ intentado por Matteo Salvini deve ser encarado como a antecâmara de um golpe de Estado faseado que se inicia com o derrube do governo M5E + LN, mas não termina aí. Pretende repetir aquilo que se verificou no século passado, isto é, a ascensão do fascismo e do nazismo, que chegaram ao poder pela via eleitoral, utilizando-a como mera peça instrumental para a ditadura.
Se de facto, e no terreno político, económico e social a resposta dita institucional agora arquitectada não tiver meios para funcionar, isto é, se não for delineado um programa consensual entre o M5E e o PD que responda às aspirações dos italianos (tarefa deveras complexa) e se, por outro lado, a Liga Norte for capaz de descredibilizar (desestabilizar) a curto prazo a actual resposta governativa torna-se evidente que, um século após, o fascismo estará de regresso a Itália.
Um outro aspecto histórico deve ser invocado. Os movimentos neofascistas e populistas europeus alinham-se em posições eurofóbicas tendo por base um nacionalismo serôdio. Salvini não foge a esta regra e acrescenta-lhe ainda a xenofobia, bem expressas nas políticas sobre migrações que implementou enquanto ministro do Interior do último governo italiano, bem como as restantes posições de força, violências contra minorias, promoção de medidas anti-sociais, etc. Mas para ficarmos pela rama temos de reconhecer que a eurofobia galopante no seio de um País fundador do Tratado de Roma (uma curiosa coincidência), da ex-CEE, agora UE, pode levar a uma ruptura e esse possível ‘acidente’ (exit) tem um inaudito alcance ao nível europeu.
Neste momento Matteo Salvini - e após a frustrada manobra golpista que intentou para o derrube do Governo de coligação com o M5E de Luigi di Maio e provocar eleições – vai desenvolver toda a parafernália fascistóide de provocações e ameaças que as funções oficiais que desempenhou, até há pouco tempo, o coibiam de fazer. Não deverá ter lugar uma nova ´marcha sobre Roma’ – repetindo a estratégia de Mussolini - mas pouco faltará, pois a Extrema-direita tem larga tarimba na desestabilização de sistemas políticos e na capitalização do caos em seu favor. Logo, o objectivo imediato de Salvini será alimentar, por todos os meios, uma situação caótica.
A solução encontrada pelo regime democrático para sair da crise governamental e conter o golpe ensaiado pela Liga Norte, isto é, a coligação entre o M5E e o PD, é muito frágil em termos políticos e pouco coesa no terreno programático e, portanto, existem fundadas perspectivas de que não se aguentará a não ser que a UE aposte nesta solução para evitar um colapso de grandes dimensões (a enxertar no Brexit).
É imperioso que a UE abandone das suas cíclicas e recorrentes hesitações e as suas salomónicas indefinições em adiar tudo para decididamente ir em socorro do novo governo italiano (encabeçado novamente por Giuseppe Conte), com medidas capazes de evitar a tragédia anunciada porque, cada vez mais, ganha terreno na cidadania europeia a incómoda sensação de esta estar sitiada por populismos vários - desde os neofascistas aos neoliberais - todos eles, destruidores de um projecto europeu ainda longe de estar concretizado.
Muitos europeus interrogar-se-ão: o que restará da UE depois de uma eventual saída da Itália?
Comentários
Há mais semelhanças com a década de 30 do século passado do que parece. Isto, no meu ponto de vista.
De acordo.
No texto diz-se "...muito ao estilo dos anos 30.".
Sublinho esta parte do texto e acrescento que nunca é demais conservar a memória histórica.