MADEIRA: Eleições Regionais - considerações prévias.


A Madeira enfrenta a partir de hoje a possibilidade de ultrapassar o ‘jardinismo’. Miguel de Albuquerque tem sido uma figura de transição que funcionou – salvaguardadas as devidas distâncias – como Marcelo Caetano em relação a Salazar. Os desafios para esta região inscritos na agenda do século XXI começam agora.

Até aqui foi o peculiar período do pós-25 de Abril dominado pela concretização de uma velha aspiração madeirense – a autonomia. Alberto João Jardim dominou estes 40 anos de projecto - em nome de uma burguesia madeirense substitutiva do ancestral domínio britânico - mas o sistema entrou em fadiga e ameaça o colapso.

É verdade que a Madeira – assim como os Açores – foi, após o Tratado de Methuen (1703), uma adjacência nacional (daí a designação passada de ‘Ilhas Adjacentes’) que até à regionalização insular, uma conquista de Abril, nunca conseguiu sair da periferia dos desígnios nacionais.

Aquando do 25 de Abril a Madeira vivia uma situação dramática em termos de isolamento e de desenvolvimento. O salazarismo trouxe um dramático imobilismo à região, provavelmente como ‘castigo’ decorrente da ‘Revolta da Madeira’ de 1931, contra a ditadura militar decorrente do golpe de 28 Maio de 1926, que ocorre – por assim dizer – nas vésperas da ‘institucionalização’ do Estado Novo. Este ato de rebeldia que se entronca na antecedente (poucos dias) ‘Revolta da Farinha’, uma insurreição popular pelo pão e contra o fome, marcou compulsiva e negativamente o trajecto da Madeira durante o regime fascista.

Não é por mero acaso que as figuras gradas do regime fascista, quando da sua deposição, passam pelo entreposto madeirense, rumo ao exílio. Este é o exemplo de que a Madeira não contava e estava fora do mapa como se fosso uma região pária da República.

Desde a instituição do Estado Novo contam-se pelos dedos das mãos os investimentos estruturantes e significativos realizados na Madeira são: 1940 – Banco de Portugal, Mercado dos Lavradores e edifício dos Correios; 1942 – Sanatório do Monte; 1946 – Liceu (Jaime Moniz); 1950 – Capitania do porto; 1956 – Eletricidade da Madeira (‘Casa da Luz’); 1957 – Estádio dos Barreiros; 1962 – Palácio da Justiça, Escola Comercial e Industrial, edifício da Alfandega, molhe da Pontinha; 1964 – Aeroporto de S.ta Cruz; 1973 – Hospital Distrital do Funchal.

Convenhamos que para mais de 4 décadas de vigência ditatorial estamos perante uma situação no limiar do ostracismo. A maioria destas infraestruturas públicas visavam promover uma afirmação de longínqua ‘soberania continental’, e embora sendo instrumentos necessários ao desenvolvimento, colidiam com os ancestrais sentimentos autonómicos.

Por outro lado, apesar dos diversos ciclos económicos decorrentes desde a descoberta (cana-de-açúcar, vinho, banana, bordados, etc.) a Madeira, em 1974, estava numa encruzilhada no que diz respeito à produção agrícola, literalmente sem indústrias produtivas ou extrativas e absolutamente dependente de uma situação instável, subsidiária das flutuações cíclicas e sazonais do turismo.
A Madeira foi - até 1974 - gerida administrativamente e no domínio da gestão económica por uma Junta Geral (cujo lastro vem de 1836) e que, ardilosamente, acrescentava do Distrito Autónomo do Funchal. De ‘autónomo’ nada tinha já que a visceral dependência da Administração Central asfixiava toda a intervenção da dita Junta Geral na Ilha, como a prática durante o Estado Novo demonstrou.

É este o calamitoso estado que se encontra a Madeira a quando do 25 de Abril. Para muitos madeirenses a solução era indubitavelmente a autonomia que permitiria definir estratégias de desenvolvimento.

As reivindicações autonómicas entroncam-se na Revolução Liberal (1820) e tiveram múltiplas expressões ao longo dos tempos. Todavia, e para encurtar razões, a expressão mais visível foi a Revolta da Madeira (1931), em cujo documento proclamatório estavam bem expressas as ideias autonómicas. Esta circunstância de enfrentamento (na génese da construção do Estado Novo) viria a determinar, por parte do salazarismo, atitudes discriminativas e persecutórias do poder central em relação aos madeirenses. 
Mais tarde, em Abril de 1969, um documento histórico para a autonomia madeirense ‘Carta a um Governador’ traduz os anseios do povo madeirense e é um documento de uma diversificada lavra oposicionista insular ao regime salazarista que gira à volta do periódico cor-de-rosa – ‘O Comércio do Funchal’.

Com o 25 de Abril a Madeira transforma-se numa Região Autónoma e começam a desenvolver-se variadas estratégias autonómicas. Começa também o período ‘jardinista’ com uma obsessiva aposta em infraestruturas (viadutos, túneis e vias rápidas) e, paralelamente, um incremento da construção civil (seja em obras públicas, seja em habitações) sem, contudo, diversificar as atividades produtivas.
 
Hoje, a Madeira possui uma rede de infraestruturas de boa qualidade mas, em termos de desenvolvimento económico, continua a enfermar dos défices crónicos que a atingiram durante o século XX. A produção vinícola e o turismo continuam a influenciar determinantemente o futuro da Madeira mas estes dois parâmetros não são suficientes para assegurar o desenvolvimento aos madeirenses que continuam a emigrar - e a retornar - segundo circunstancialismos vários (internos e externos).

O ‘jardinismo’ conseguiu lavrar – em simultâneo – dois caminhos. Uma rede de infraestruturas eficiente e uma notável dívida regional. Sempre que algo corria mal reivindicava-se mais autonomia como se isso fosse um património da Direita (historicamente nunca o foi) e a panaceia para todos os males.
Usou-se e abusou-se deste estratagema até ao ponto de o esgotar. No presente existe a sensação que a autonomia é uma conquista firme que vigorará enquanto este regime durar e, de facto, essa arma de arremesso perdeu força e poderá estar na génese dos resultados das eleições regionais de 2019.

As eleições deste fim-de-semana ao retirarem a maioria absoluta ao PSD-M (como os resultados sugerem) abrem novos caminhos ao povo madeirense e de certo modo questionam o ‘jardinismo’, enquanto icónico modelo de governação regional.

Daqui para a frente só há dragões (para usar um título da escritora madeirense Ângela Caires) e será necessário enfrentá-los com uma nova estratégia de desenvolvimento, que saia das baias condicionadoras do vinho, da banana e do turismo e valorize a Madeira como uma influente, criativa e produtiva plataforma atlântica multipotencial.

A mudança prometida na campanha eleitoral por diversos partidos não pode andar longe disto resta saber se existe capacidade política para enfrentar os problemas em suspenso.

Na verdade, o PSD-M vai ter de abdicar dos tiques absolutistas que perduram há 43 anos e terá de negociar para governar. Negociar é para o PSD-M uma novidade e não sabemos qual a capacidade intrínseca e real para este novo desafio. O mais prudente será os partidos não desmobilizarem porque a legislatura da Assembleia Regional poderá não durar 4 anos. A ver vamos porque “até ao lavar dos cestos…”.

Comentários

E-pá:

Foi estimulante ler o teu texto. É uma leitura inédita e credível. Tive a oportunidade de ver uma reflexão que me parece certeira, até na possibilidade de o próximo governo regional não durar a legislatura.

Parabéns.

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