A corrupção, a política e a demagogia

Quando alguém afirma que “todos os políticos são corruptos”, interrogo-me se esse alguém é ignorante, fascista ou pretende, apenas, gritar as frustrações e dizer que, ao contrário de ‘todos os políticos’, (ele ou ela) não é ou não pode.

Cinco anos de ditadura militar e 43 de fascismo deixaram marcas indeléveis na nossa sociedade. A raiva contra os políticos é a herança transitada por má fé ou ignorância, de geração em geração, como se os políticos fossem menos honrados do que o comum dos cidadãos e as generalizações não fossem a revelação da indigência intelectual e cívica que habita um país cujas causas do atraso foram magistralmente analisadas por Antero de Quental na conferência sobre «As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares».

No entanto, a corrupção corrói a democracia, tanto, ou mais, do que o nacionalismo e o populismo de que se alimenta a extrema-direita. O combate à corrupção é uma tarefa urgente, que envolve a sociedade, e não pode contar com acusadores profissionais que vivem da denúncia demagógica como a Dr.ª Isabel Jonet da caridadezinha.

A corrupção começa em casa, com uma oferta à criança para lavar os dentes ou comer a sopa; na igreja, com a novena para que chova ou a oferta a um santo para conseguir um qualquer benefício; na escola, quando se recorre a cábulas ou a cunhas ao professor; nos Tribunais, quando se defendem interesses ilegítimos ou é parcial o julgador; no futebol, quando se intimida ou suborna o árbitro; na AR, quando se faz uma lei sem equidade; na estrada, quando a polícia ignora os veículos de uma empresa determinada; enfim, em todas as situações onde o pequeno empenho, uma palavrinha ou uma lembrança afetam decisões.

Quando nos reparam a persiana ou desentopem a sanita, e aceitamos pagar sem recibo, estimulamos a fraude e dividimos o roubo pelo prestador de serviços e por nós próprios. Se recorremos à oficina que não cobra o IVA ou a um trabalhador com baixa médica, somos cúmplices na fraude e no roubo ao Estado e à Segurança Social.

Há em Portugal uma tal indiferença perante o roubo e a corrupção que, para exorcizar a vergonha de uma conduta ignominiosa, se preferem os média destinados a esconder os roubos generalizados com as suspeitas que lançam sobre quem tem a tarefa de governar ou é titular de um órgão da soberania.

O país que sofreu a violência da Contrarreforma sem conhecer a Reforma; que, antes do 25 de Abril, só teve raros períodos democráticos na monarquia liberal e na I República; que terminou o século XIX com taxas de analfabetismo únicas na Europa, 80%, contra 2% a 10% nos países do Norte, e mais de 35% até aos anos 1960, não é país que possa ter uma cultura cívica e democrática que o proteja da demagogia dos oportunistas e da insídia dos perversos.

Somos pasto fácil de demagogos e populistas, e os governantes são vítimas prediletas da cáfila de crápulas que não digerem “o nosso Ultramar infelizmente perdido”, a falta de “a ordem e o respeito de antigamente” (salazarismo), “a pouca vergonha que se escreve e vê” (liberdade de expressão e respeito pelos Direitos Humanos), e o progresso e a paz de quatro décadas e meia sem desforra contra a democracia e quem a tornou possível.

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