Juan Carlos e o franquismo

Não interessa quando ou onde se nasce ou morre, importa saber como se vive e o legado que se deixa no campo ético, político ou social.

A guerra civil espanhola foi das mais ferozes guerras civis do século passado. De ambos os lados, foi inaudita a crueldade e sequiosa a orgia de sangue, mas era impensável que, depois da rendição do governo, finda a guerra, os vencedores tivessem assassinado mais espanhóis do que todos os que morreram, durante a guerra, dos dois lados.

Franco, Hitler e Stalin foram, na Europa, os grandes genocidas dos seus próprios povos. Junto deles, Monsenhor Jozef Tiso foi um menino de coro e Mussolini um humanista.
Nunca a Península Ibérica conheceu genocida tão cruel como Francisco Franco, criador da nova dinastia iniciada por Juan Carlos de Bourbon, seu lacaio, educado na Falange.

Há dias, J-m Nobre Correia, professor jubilado de Informação e Comunicação da ULB, citava oportunamente declarações ao diário digital “El Diário” de “Ian Gibson, irlandês, biógrafo de Lorca, Dali, Machado e autor de várias obras sobre a Guerra Civil, o reconhecido hispanista ", a propósito de Juan Carlos de Bourbon: “A verdade é que nunca, até hoje, quarenta e cinco anos depois, condenou o regime franquista nem aludiu aos muitos milhares de vítimas do Caudillo que ainda estão em valas [...]” (Citação integral).

Há dezenas de milhares de vítimas em valas comuns cuja exumação a direita espanhola, acrescento eu, tem bloqueado, com a conivência do franquismo, ainda predominante no aparelho de Estado, em especial na Justiça, Forças Armadas e de Segurança. E na Igreja.

Quarenta e cinco anos após a democracia, nenhum Bourbon condenou o franquismo. As famílias das vítimas nem sequer puderam dar uma sepultura condigna aos fuzilados nas praças de touros e aos mortos das brigadas de assassinos a supostos republicanos nas ruas de numerosas povoações, numa sede cega de vingança franquista.

Um regime que não reconhece publicamente as atrocidades da ditadura fascista não tem legitimidade nem merece respeito.

A monarquia não precisava de se atolar em corrupção, de ter um rei amoral e dissoluto, uma família real a fugir ao fisco e a criar expedientes para dissimular os roubos ao povo espanhol, com fundações de fachada e recurso a paraísos fiscais, para ser ilegítima.

Basta-lhe ser herdeira de um regime que não repudiou. Nem Juan Carlos, nem Filipe VI.


Comentários

Jaime Santos disse…
O poder está na ponta da espingarda, como dizia creio que Mao, Carlos Esperança. A reinstauração da Monarquia e a Lei de Amnistia, ou seja de esquecimento, foram o preço a pagar por uma sociedade mais ou menos pluralista, ainda sob tutela da Judicatura e das Forças Armadas.

O consenso durou até à crise de 2007-2008, muito embora se mantivessem focos de rebelião, mas que perderam a legitimidade na espiral de violência demente da ETA.

Hoje constatamos que o conflito regressou à sociedade espanhola, com o nacionalismo catalão, por agora de cariz cívico, as críticas fundadas à monarquia e a reacção do franquismo, com o aparecimento do Vox, Partido Neo-Fascista.

Não me parece que nada de bom possa surgir disto. Com toda a hipocrisia e dissimulação, os últimos 40 e tal anos foram um oceano de paz e de democracia na paisagem ibérica, cá e lá. Os Espanhóis têm lamentavelmente a tendência para saltarem à goela uns dos outros...

Se a verdade tem sempre um efeito catártico, a catarse por vezes manifesta-se da pior forma possível...

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