A Justiça e o circo mediático

O respeito pelas decisões judiciais e a presunção de inocência dos arguidos em processo penal são as bases mais elementares do Estado de direito, que jornalistas, comentadores e até os próprios magistrados, quanto à segunda, parecem esquecer.

O Conselheiro de Estado, Marques Mendes, teve a desfaçatez de designar ‘juiz à solta’ o juiz de instrução que, num processo mediático, deduziu acusações. A orquestração do ódio contra o político arguido evitou-lhe a censura, e a aquiescência da opinião pública e da publicada embotou o juízo dos cidadãos, e saiu execrado o referido juiz.

Os constrangimentos sociais impedem a denúncia das violações sistemáticas de direitos dos arguidos, sempre no temor de se ser acoimado de defensor de corruptos, permitindo os julgamentos na praça pública, orquestrados pelos média e pelo corporativismo das instituições judiciárias que acirram os seus sindicatos e a imprensa oficiosa.

Depois do julgamento público do ex-ministro (MDN) Azeredo Lopes, imolado no roubo das armas de Tancos, ensaiando atingir o PM, o Ministério Público, depois de o acusar, pediu a absolvição e, antes de se tirarem ilações da acusação e do linchamento público, foi preso para investigação o presidente de um clube de futebol. A feliz coincidência ocultou a tentativa de atingir o Governo, através do caso de Tancos, e pôs o novo caso a ocupar todo o espaço mediático, com o PM e o edil de Lisboa sob suspeição ética por terem apoiado o ora arguido na candidatura à presidência do clube de futebol.

Este raciocínio primário e malévolo, aplicado a Passos Coelho e Cavaco, lançaria sobre todos os seus apoiantes o labéu da infâmia.

Deixo para breve a história do circo à volta dos casos judiciais, com aparente conivência de magistrados e jornalistas, comentando a frase do comentador abrigado no Conselho de Estado e proferida na SIC em 4 de julho p.p.: “Esta gente, esta classe de empresários, como Berardo, como Luís da Maia, como Nuno Vasconcelos e como vários outros são empresários sem vergonha, sem escrúpulos e sem carácter.”

Não têm direito a presunção de inocência? O juiz de instrução que vai além do que pede o MP, pretendendo prender para investigar, não merece reparo? Ninguém olha para a referência seletiva do Conselheiro de Estado, onde não coube o ex-banqueiro cuja casa era frequentada pelos dois últimos PRs?

A participação nos governos de Cavaco Silva, durante 10 anos, não justifica esta leveza ética do comentador da SIC para com os arguidos que escolhe exonerar da presunção de inocência.

Quem defende a democracia? E a decência?

Comentários

Monteiro disse…
Os portugueses desde 1536 que têm medo. Têm medo de pensar. Pedro Nunes foi o nosso último matemático e morreu nos cárceres da Inquisição. O medo existe a nível do nosso inconsciente colectivo. Camões safou-se por um triz, no meio da confusão do D. Sebastião e foi o Filipe de Espanha que ainda que lhe deu uma tença para viver. Bocage chegou a estar nas masmorras mas com habilidade lá se safou. Gil Vicente inaugurou a fogueira em Évora, diz Hermano Saraiva em filme, por ter escrito "Floresta de Enganos" E para cada condenado se fazia a contabilidade porque o condenado tinha de pagar os custos da sua detenção e da sua fogueira. Quando o condenado não tinha bens que cobrissem essas despesas era preciso nomear uma comissão que tinha de procurar bens noutro condenado que tivesse bens e os contabilistas queixavam-se das dificuldades que esses processos se revestiam. Agora a prisão deve ser menos lúgubre, já deve ter televisão a cores. Quando já estávamos quase a suplantar este medo de há séculos eis que aparece na mesma tradição a PIDE prendendo, agredindo e matando que durou até ao 25 de Abril e hoje as coisas devem ser mais justas, respeitando-se os Direitos, as Liberdades e as Garantias de quem foi feito prisioneiro mas as nuvens negras não se dissipam e até conheço o senhor Domingos Abrantes que esteve preso e foi torturado e está no mesmo Conselho de Estado onde está um ex-Ministro do tempo fascista, Adriano Moreira, que revitalizou o Tarrafal e ele encara isso tudo com naturalidade e os conselheiros de Estado não dão mostras de se sentirem incomodados o que muito angustia quem esteve preso e que foi torturado. No Génesis, Capítulo VI, Deus prometeu acabar com os homens de tão maus que eles se vieram a revelar, já o tentou mas teve pena do Noé e da sua família e por isso cá estamos todos outra vez até um dia em que caia cá uma bomba atómica resolvendo tudo, incluindo a injustiça.
Monteiro:

Boa lição de História. Obrigado.
Luis disse…
O Marques está esquecido que está envolvido em processos judiciais a que os media não dão relevo ,é a direita a funcionar a todo o vapor ,quanto ao justiceiro mor já não há palavras para o classificar.

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