Aquilino Ribeiro – escritor e cidadão (texto atualizado) – 60.º aniversário da sua morte
No dia de hoje, há sessenta anos. faleceu Aquilino Ribeiro, o maior prosador da língua portuguesa da primeira metade do século XX.
A mãe quis destiná-lo ao sacerdócio e foi no seminário que
conheceu o encanto da língua e o desencanto da fé. Aliou a carreira de escritor
e o êxito literário à intervenção política e ao combate cívico, primeiro pela
República, depois contra a ditadura.
Gravou os primeiros anos de vida em Cinco Reis de Gente,
notável descrição onde a vida das aldeias e da escola da sua infância aparecem
num imprescindível testemunho autobiográfico do tempo histórico, das gentes e
locais da sua Beira natal.
Sou devoto de Aquilino, que li muito novo, onde encontrei
palavras do meu avô materno e de pessoas iguais às que conheci numa aldeia da
Beira Alta, longe das da sua infância. Escreveu sobre gente e paisagens que me
foram familiares e o Malhadinhas era a síntese de vários aldeões vivaços e
atrevidos que me trataram por menino na falta de pergaminhos para me dizerem,
ora oiça, meu fidalgo.
Escreveu «Quando os Lobos Uivam» num tempo em que as feras
andavam à solta e os Tribunais Plenários ao serviço da canalha fascista. Com
Aquilino vivi as histórias do volfrâmio de que o meu avô falava e apreendi que
as sotainas não escondiam a virtude apregoada e que «Anda(va)m Faunos pelos
Bosques».
Manejou a pena e a escopeta, com igual exaltação, ao serviço
de uma República laica e democrática. A paixão da escrita e da liberdade eram o
desígnio do beirão moldado pela rudeza das terras onde nasceu, de onde resgatou
para a literatura os regionalismos e para a sátira os costumes. A prosa fez
dele o estilista que o salazarismo quis amordaçar e que a democracia esqueceu,
mas a riqueza da sua escrita moldou os que aprenderam nele o sabor da língua e
o amor à liberdade.
Só em 2007 a Assembleia da República decidiu trasladar os
restos mortais de Aquilino para o Panteão Nacional, perante o azedume dos que
nunca o leram e viam no maçon, e provável carbonário, um expoente da
inteligência, cultura e espírito revolucionário.
No 60.º aniversário da sua morte, penso em «Príncipes de
Portugal. Suas grandezas e misérias», e é a mestre Aquilino que agradeço ter-me
ensinado a conhecer e a amar as terras e gentes da minha infância, a língua que
escrevo do povo que sou e a irreverência que me acompanha.
As bombas do jovem anarquista detonaram sem estragos de
maior, e a deliciosa prosa anda por aí à espera de quem frua o prazer de a resgatar
das «Arcas Encoiradas» para visitar A Casa Grande de Romarigães, descobrir «S.
Bonaboião, Anacoreta e Mártir», e tantas outras pérolas da literatura
portuguesa.
Aquilino foi a referência culta que me conduziu a Saramago. Sessenta anos após a sua morte, é o autor para cuja leitura convoco quem ame a língua portuguesa.
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