Miguel Sousa Tavares, um artigo desassombrado, lúcido e obrigatório
Miguel
Sousa Tavares, Expresso de 05 de dezembro de 2025
Que
horror: querem acabar com a guerra na Ucrânia?!
«Três
questões prévias para clarificar o que se segue: 1.º quando critico sobretudo
os líderes europeus pela resistência a um acordo de paz para a Ucrânia, incluo
nessa crítica a Rússia de Vladimir Putin, que claramente está a tentar tirar
partido de um momentum favorável quer no campo de batalha, quer no campo
diplomático, beneficiando de uma abordagem compreensiva por parte de quem tem o
poder para intervir de forma decisiva, Donald Trump; 2.º a primeira versão do
acordo proposta pelos Estados Unidos era absolutamente desequilibrada a favor
de Moscovo, reflectindo apenas razões de facto, e não de direito; 3.º Trump e o
seu duo negocial — Steve Witkoff e o seu genro, Jared Kushner — estão nas
negociações não só por razões políticas, mas também, como é habitual, por
interesses negociais próprios, o que devia desclassificá-los automaticamente
para a função. Mas como ninguém mais se chegou à frente...
Isto dito,
constato que, com a perspectiva de ver a Ucrânia aceitar a paz americana
proposta por Trump, reina o embaraço, o horror, quase o desespero nas capitais
europeias, que de há muito querem conduzir os destinos daquele país e explicar
a Zelensky o que ele deve fazer. Em especial o autodesignado grupo da
“coligação de vontades”, reunindo os três grandes da Europa, olha com
estupefacção e pânico para a possibilidade de a Rússia e a Ucrânia chegarem a
uma paz negociada entre eles e os americanos e sem qualquer contributo e
participação da Europa — mostrando até que ponto Bruxelas e Londres se tornaram
irrelevantes para o mundo e para a própria Europa.
Apressadamente,
Macron convocou Zelensky para Paris, Keir Starmer prometeu mais armas a Kiev e
Von der Leyen acenou-lhes com os 140 mil milhões de dinheiro russo cativado no
estrangeiro e retido em Bruxelas, à espera que os juristas encontrem uma
fórmula para disfarçarem com outro nome o que será um esbulho, puro e simples.
As
pressões, iniciadas assim que foi anunciado o plano de 28 pontos de Trump,
tornaram-se tão ansiosas e tão descaradas que não deixam lugar a quaisquer
dúvidas: as lideranças europeias farão tudo o que estiver ao seu alcance para
boicotar um acordo de paz para a Ucrânia que não seja nas suas próprias
condições — e nem sequer as dos ucranianos, mas as dos europeus.
Kaja
Kallas, a fotogénica Alta Representante da Política Externa e de Segurança da
União Europeia, afirmou que “os ucranianos estão lá sozinhos nas negociações:
se estivessem connosco, tinham mais força negocial”. Reparem: não era ter os
europeus como mediadores de paz entre as partes, ao lado dos americanos, mas
tê-los como parte da delegação ucraniana. Mas, mesmo assim, eles estão sem os
europeus porque os europeus nunca quiseram ver os ucranianos em conversas de
paz com russos, americanos ou quem quer que fosse.
A política
dos europeus e da NATO foi sempre a de incentivar os ucranianos a combater até
à derrota da Rússia (!), garantindo que os apoiariam, com armas e dinheiro,
“pelo tempo que fosse preciso” — um mantra repetido por todos, sem
desfalecimento, incluindo pelo nosso António Costa.
Por isso,
ao mesmo tempo que dizem aos ucranianos para não aceitarem o plano de paz
americano, os europeus não têm nada para lhes propor em alternativa. António
Costa afirma mesmo, despreocupadamente, que ainda não chegou a altura de a
Europa falar com a Rússia.
Mas se a
Europa não fala com a Rússia, limitando-se a aplicar-lhe sucessivos pacotes de
sanções, e se escolheu para dirigir a sua política externa alguém que vem de um
pequeno país com 1,3 milhões de habitantes e que é, como o seu país, uma
furiosa militante anti-Rússia como esperavam os europeus serem aceites à mesa
das negociações e para quê?
A verdade,
por muito que custe ouvi-la, é que Trump tem razão quando diz que esta guerra
nunca deveria ter começado e que, depois disso acontecer, nada foi feito para a
parar por parte de quem o podia fazer: a Europa, a NATO, os Estados Unidos de
Joe Biden.
Ambas as
partes queriam garantias de segurança: a Ucrânia contra a tentação russa de
uma invasão; a Rússia contra a tentação ocidental de mais um passo em frente no
cerco ao seu território, iniciado logo a seguir ao fim da União Soviética e do
Pacto de Varsóvia e nunca mais terminado.
Ninguém
melhor que os europeus estava em posição de servir de mediador e assegurar
essas garantias para ambos os lados. Em vez disso, uma geração de dirigentes
ignorantes da História e da geopolítica preferiu embrenhar-se no caminho da
bravata anti-russa à custa dos mortos ucranianos e dos contribuintes europeus.
E sem
nenhum desfecho aceitável à vista a não ser a utópica derrota russa no campo de
batalha. A ignorância e a arrogância atingiram tal ponto que Kaja Kallas
declara que a Rússia não fez mais nada nos últimos 100 anos a não ser invadir
países alheios e o chanceler Merz — que, perante a cumplicidade suicida da
restante Europa, lançou a Alemanha num extraordinário plano de rearmamento —
diz que o faz devido à nova ameaça russa.
Será que
ninguém lhes contou da Operação Barbarossa, quando as tropas nazis invadiram a
Rússia, arrastando-a para uma guerra onde viu morrer 26 milhões dos seus
habitantes, em comparação com os 600 mil mortos franceses e os pouco mais de
400 mil americanos e outros tantos ingleses?
Sim, claro
que contaram, mas eles querem continuar a ver a Cortina de Ferro onde já só
existe a Cortina da NATO e insistem, tal como os comunistas portugueses, em ver
na Rússia actual apenas a continuação da União Soviética de Estaline. Fazem-no
deliberadamente, porque é mais fácil argumentar assim nestes tempos de
populismo triunfante e simplismo ao serviço da ignorância.
Mas,
apesar da incrível militância jornalística a favor das suas teses que esta
gente conseguiu — e que terá sido o seu maior êxito e a mais negra página do
jornalismo independente —, os “campeões do bem” europeus nunca conseguirão
explicar e redimir-se da escandalosa duplicidade de critérios que mantiveram
entre a Rússia e Israel, entre a invasão da Ucrânia e o genocídio de Gaza.
Von der
Leyen fingiu que não se passava nada e foi conivente até poder, Kallas calou-se
como um túmulo, Merz continuou a armar Israel e o trabalhista Keir Starmer, uma
espécie de político híbrido, com valores matinais que não coincidem com os
vespertinos — na esteira, aliás, de sucessivos primeiros-ministros ingleses
para esquecer, desde Boris Johnson —, já meteu na prisão 2000 acusados de
defenderem a Palestina, coisa que se tornou quase sinónimo de terrorismo em
Inglaterra, como na Alemanha ou nos Estados Unidos.
Não, eles
que usem os argumentos que quiserem para continuar uma política de confrontação
que, na melhor das hipóteses, prolongará a guerra sem fim à vista e, na pior
das hipóteses, acabará muito mal. Que invoquem a solidariedade com a Ucrânia ou
a segurança europeia, que nos dizem ameaçada porque, a seguir à Ucrânia, os
russos só pararão em Paris (uma delirante tese fundada em coisa alguma e que me
faz lembrar a minha avó, quando em pequenino me dizia para me afastar das
janelas porque “andavam bolcheviques nas ruas”).
Inventem
qualquer razão, só não venham cá invocar o argumento moral: quem assistiu
calado à vergonha de Gaza (e continua a assistir, porque aquilo ainda não
acabou em Gaza, na Cisjordânia ou agora na Síria) não tem qualquer autoridade
para invocar a moral ou os bons princípios.
Mais vale
ouvir o nosso ministro da Defesa, Nuno Melo, que, fruto de uma profunda
reflexão política, resumiu tudo a uma luta entre o Bem e o Mal: nós somos o
Bem, os outros o Mal. E quando a guerra da Ucrânia nos mostrou eloquentemente
que nos campos de batalha de hoje os carros e os aviões de combate foram
tornados praticamente inúteis pelos infinitamente mais baratos drones (e em
breve pelos canhões laser e as armas manipuladas por inteligência artificial),
o nosso ministro e o nosso primeiro-ministro preparam-se para nos fazer gastar
até 5% do PIB em aviões e carros de combate topo de gama todos os anos. Não
porque precisemos, mas porque obedecemos.
Obedecemos às ordens do patrão Trump, o mesmo
que, recorrendo aos seus peculiares métodos de persuasão, está a caminho de
conseguir uma paz na Ucrânia, para grande desilusão dos seus “aliados”
europeus. Os quais, então, correm a obedecer à sua ordem de gastar milhões em
brinquedos de guerra americanos, que até se arriscam a ficar entretanto
obsoletos, mas que na genial leitura política dos nossos crânios de Bruxelas e
Londres são o preço a pagar para que Trump não nos deixe sozinhos a enfrentar a
marcha de Putin em direcção a Paris.
Ou porque, como explicou Nuno Melo, “temos de
nos armar porque parte do planeta não comunga dos nossos valores”. Estaria a
pensar em Israel, na Arábia Saudita, na Guiné-Bissau?»
[Miguel
Sousa Tavares, ""Expresso", 5/12/2025]
Comentários
{os registos na internet vão possibilitar esse case-study}
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A ladroagem espertalhona ucraniana usou a ditadura dos sovietes para abocanhar regiões da Rússia.
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Com o FIM da ditadura dos sovietes, muitos russófonos das regiões em causa reivindicam o legítimo direito de regressar à Rússia.
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A ladroagem espertalhona ucraniana, para além de massacrar russófonos das regiões em causa..., começou a vender riquezas dessas regiões a 'construtores de caravelas' (Blackrock, e outros...).
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A ladroagem-500 (possuem um currículo de 500 anos: vulgo Ocidentalismo Mainstream) vangloriam-se da sua esperteza Sun Tsu (Merkel, Holland, etc).
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P.S.
O FIM DOS BODES EXPIATÓRIOS
-> Os bodes expiatórios (nacionalismos, fascismos, hitlerianos) deixaram de funcionar!
-> Sim, afinal, as Esquerdas/Direitas mainstream são mais do mesmo:
- uma mudança de 'moscas' para que fique tudo na mesma!
- uma mudança de retórica para que fique tudo na mesma!
--->>> TUDO EM CONLUIO com os negócios dos 'construtores de caravelas'...
É pena!