Botas cardadas ameaçam Lobo Antunes
O grupo militar que ameaçou “ir ao focinho de António Lobo Antunes” e o apelidou de «bandalho» e de «atrasado mental» não merece resposta. É produto da guerra injusta a que a ditadura fascista condenou uma geração, é a voz de quem se envergonha de ter estado do lado errado e teme a divulgação dos crimes de guerra.
Graves são as ameaças ao escritor do coronel piloto-aviador, de nome Morais da Silva, que durante o PREC, dissimulado, nunca se soube de que lado se achava e que, agora, pretende processar o escritor por dizer o que pensa.
Mais prudente, o general Chito Rodrigues presidente da Liga dos Antigos Combatentes, uma agremiação que publica uma revista reaccionária e obtém descontos para os sócios, na compra de pneus, desafia o escritor a retratar-se [sic], única palavra usada segundo o novo acordo ortográfico, na carta aberta que lhe dirigiu.
Admito que Lobo Antunes não tenha sido rigoroso no número de mortos que atribuiu ao seu batalhão e tenha errado nas motivações que levavam os tenentes-coronéis a querer «acumular pontos», sem esquecer que uma das companhias era comandada pelo grande intelectual, humanista e democrata Melo Antunes, herói de Abril, que ele tanto admirou.
Mas, como disse há poucos anos o escritor, ainda é cedo para falar da guerra colonial, como se vê pelos guardiães de serviço, como o general Chito Rodrigues que, sendo oficial do Estado-Maior, nunca se terá ferido no capim.
Trinta e seis anos depois do fim da guerra, já é tempo de saber se todos as companhias e batalhões abdicaram da tortura dos prisioneiros; o que sucedia aos presos que a tropa entregava à PIDE; o que faziam os sipaios às populações que os militares prendiam e entregavam à autoridade administrativa; o que lançavam os aviões militares sobre as palhotas e quem matavam; se os portugueses invadiam os países limítrofes e com que fim. Um país só se reconcilia com a história se a verdade e a justiça triunfarem, não com ameaças de quem ainda crê que defendeu a pátria e a civilização cristã e ocidental, como afirmava a propaganda fascista e clerical.
É tempo de denunciar a escalada reaccionária e a intimidação contra quem pretenda exumar treze anos de guerra. Quando um primeiro-ministro concedeu a dois pides a pensão que negou a Salgueiro Maia, tornaram-se mais ousados os nostálgicos do salazarismo. A Alpoim Calvão, já sem peito onde coubesse, deram a única venera que lhe faltava, a Jaime Neves mandaram-lhe estrelas de general à reforma e o 10 de Junho, de má memória, integra nostálgicos em manifestações intimidatórias depois de o último PR ir convertendo a data, de novo, no Dia da Raça.
Paulatinamente, o Portugal salazarista vai entrando pelas costuras da nossa incúria. Por isso, neste caso, a solidariedade com Lobo Antunes é uma questão ética e um dever democrático.
Graves são as ameaças ao escritor do coronel piloto-aviador, de nome Morais da Silva, que durante o PREC, dissimulado, nunca se soube de que lado se achava e que, agora, pretende processar o escritor por dizer o que pensa.
Mais prudente, o general Chito Rodrigues presidente da Liga dos Antigos Combatentes, uma agremiação que publica uma revista reaccionária e obtém descontos para os sócios, na compra de pneus, desafia o escritor a retratar-se [sic], única palavra usada segundo o novo acordo ortográfico, na carta aberta que lhe dirigiu.
Admito que Lobo Antunes não tenha sido rigoroso no número de mortos que atribuiu ao seu batalhão e tenha errado nas motivações que levavam os tenentes-coronéis a querer «acumular pontos», sem esquecer que uma das companhias era comandada pelo grande intelectual, humanista e democrata Melo Antunes, herói de Abril, que ele tanto admirou.
Mas, como disse há poucos anos o escritor, ainda é cedo para falar da guerra colonial, como se vê pelos guardiães de serviço, como o general Chito Rodrigues que, sendo oficial do Estado-Maior, nunca se terá ferido no capim.
Trinta e seis anos depois do fim da guerra, já é tempo de saber se todos as companhias e batalhões abdicaram da tortura dos prisioneiros; o que sucedia aos presos que a tropa entregava à PIDE; o que faziam os sipaios às populações que os militares prendiam e entregavam à autoridade administrativa; o que lançavam os aviões militares sobre as palhotas e quem matavam; se os portugueses invadiam os países limítrofes e com que fim. Um país só se reconcilia com a história se a verdade e a justiça triunfarem, não com ameaças de quem ainda crê que defendeu a pátria e a civilização cristã e ocidental, como afirmava a propaganda fascista e clerical.
É tempo de denunciar a escalada reaccionária e a intimidação contra quem pretenda exumar treze anos de guerra. Quando um primeiro-ministro concedeu a dois pides a pensão que negou a Salgueiro Maia, tornaram-se mais ousados os nostálgicos do salazarismo. A Alpoim Calvão, já sem peito onde coubesse, deram a única venera que lhe faltava, a Jaime Neves mandaram-lhe estrelas de general à reforma e o 10 de Junho, de má memória, integra nostálgicos em manifestações intimidatórias depois de o último PR ir convertendo a data, de novo, no Dia da Raça.
Paulatinamente, o Portugal salazarista vai entrando pelas costuras da nossa incúria. Por isso, neste caso, a solidariedade com Lobo Antunes é uma questão ética e um dever democrático.
Ponte Europa / Sorumbático
Comentários
Não se brinca assim com coisas sérias.
Que diria Melo Antunes, o "grande intelectual, humanista e democrata", como o autor do post muito bem caracteriza, se lesse as tão infelizes, como oportunistas, palavras deste escritor, dadas as suas funções de comando no mesmo TO?
E porque é que o próprio "escritor", não desertou, face aos horrendos crimes que o obrigaram a cometer, e, por outro lado, não participou os crimes a que assistiu, pelas vias hierárquicas onde estava integrado? Os homens avaliam-se pelos actos responsáveis e oportunos, não pela cobardia que revelam ao vir publicitar, apenas décadas depois, os crimes a que assistiram e de que se tornaram assim cúmplices, impávida e serenamente - para um intelectual, com tantas obras publicadas, algumas delas sobre a mesma guerra, sem mencionar nas mesmas tais "barbaridades", é de obra!!!
Não existem guerras isentas de máculas em termos humanitários. Todas as guerras deixam - nos homens e nos Países - profundas sequelas.
A guerra colonial portuguesa não foi uma excepção.
Precisamos de exorcizar os fantasmas que essa guerra criou, fazer o luto desse tremendo erro político [do salazarismo] e reconciliarmo-nos com a História.
As declarações de Lobo Antunes são polémicas, contêm - provavelmente - algumas distorções, mas são a visão pessoal [e cultural] de um homem que a "viveu".
Ninguém é proprietário da verdade sobre essa nefasta guerra. Muitos menos os ex-combatentes. Cada ano que passa, este trágico momento [13 anos!] já passado [ainda não totalmente ultrapassado] "empurra" essa guerra para o acervo da História comtemporânea de Portugal e - não esquecer - dos emergentes novos Países de África, libertados do colonialismo.
Neste momento, a guerra é um problema nacional que desafia o repto do seu julgamento histórico e enfrenta o libelo da sua abordagem política e cultural. Sem estar submetida a qualquer RDM [passado, presente ou futuro].
Como sabemos a guerra é um assunto demasiado sério para ser entregue aos militares...são os homens [os portugueses e os cidadãos de todo o Mundo) que a vão julgar.
Com visões e perspectivas diferentes, é de esperar.
Como será, também, de aguardar que essa necessária análise [a catarse] utilize o rigor e veracidade dos factos e a partir daí desfrute de toda a liberdade interpretativa.
Ninguém deseja para Portugal "novos" tempos de anátemas...
E, concluindo, tenho a convicção de que a guerra colonial nunca foi uma "guerra santa"...
PS - Cumpri o SMO - de 1967 a 1970 - e fui mobilizado para Moçambique. Fui, portanto, "compelido" a "fazer" a guerra colonial.
Era racista, mas se se tratasse de uma pretinha jovem e bonita, esquecia por momentos o racismo. Coisas.
Admito que ALA não tivesse passado por aquilo que afirma na entrevista.Eu nunca ouvira falar nisso.No entanto,repugna-me todo o circo montado pelos tais "Botas cardadas".Afinal foram os principais beneficiados e cúmplices nas tragédias que ocorreram nessas malditas guerras das quais ainda hoje sofremos as consequências.
AR
1 - Tenho a certeza de que Melo Antunes era um dos capitães do batalhão onde ALA foi médico. Dedica-lhe, aliás, um livro;
2 - Todos os que andámos na guerra (tenho 26 meses de Niassa - Moçambique e fui militar 4 anos e 4 dias) sabemos o que nunca foi dito;
3 - Vê-se a dificuldade em lidar com o passado e o medo de que se revelem os crimes da guerra colonial.
4 - Grupos organizados pretendem falsear a história.
"Não se brinca assim com coisas sérias" dizes tu...
Não devias negar factos históricos,vá alardea a cobardia para ti próprio porque parece que não consegues ultrapassar os teus traumas da guerra onde servistes,essa guerra não era a tua, mas como bom rapaz foste obediente aos ditadores, agora...agora vens justificar-te da pior maneira e negar as consequências de uma guerra atróz na qual foste obrigado a participar sem ousares ter apelo nem agravo...
Pergunta às mães que como eu perderam os filhos, meu cobarde...
Sabes lá tu o que é perder alguém que nos é querido, por quem fizémos todos os sacríficios para ...para depois ver um ditador usar a carne da nossa carne impunemente.
A tua mãe...sim a tua mãe teve a sorte de te tornar a ver... sabe lá alguém porquê?! Mas como conseguiste escapar?! Nunca vou eu saber, porque mo vás ocultar por cobardia e por remorsos quiçá da merda que fizeste nessa guerra que tanto defendes!...
Mas se és assim tão valente, porque te assinas por T? T de quê?
T, de troca tintas? T de traidor aos ideais humanistas? T de trapaceiro a tentar esconder e não assumir os crimes que em nome dos ditadores terás cometido?
Honras a presença nessa guerra como se fosse uma tua questão de honra! Honra de quê? da cobardia de talvez te teres escondido lá bem para trás e disparado à parva porque te cagavas de medo e te escondias atrás dos teus companheiros que nunca voltaram?
A tua mãe, sim a tua mãe talvez te tenha voltado a ver, mas, não me admirava nada que a tivesses abandonado num asilo qualquer, assim como quem dispara tiros à parva cagado de medo...
Vai-te catar T, ou lá o raio que te parta!!!
É lamentável a sua falta de sensibilidade para com uma mãe a quem o fascismo matou o filho numa guerra injusta.
Eu sei o que os meus pais sofreram nos 26 meses que estive ausente e como envelheceram.
O comentário de Ermelinda Monteiro,que T tratou com absoluta insensibilidade, comoveu-me profundamente e só por pudor e respeito pela dor não lhe mandei o abraço que devo a todas as mães que sofreram os crimes do salazarismo.
Este blog, felizmente para si, com certeza, que eu respeitava pela sua "luta" anti-clericalista e religiosa em geral, perdeu neste momento a minha admiração, por tudo o que escrevi a que não retiro uma vírgula. Não se esqueçam que foram as botas cardadas destas FA que acabaram com a ditadura e a guerra colonial. E mais não digo, não vale a pena! Basta de tanto oportunismo que a fama de certos "escritores" avoluma!
Não tem certamente idade para saber o que foi o horror da guerra colonial.
Pense nas perguntas que eu deixei em suspenso no post.
E não faz ideia da coacção exercida pelas ex-tropas especiais para que a verdade se oculte.
Espero que não venha a saber o que representa morrer-lhe nos braços o amigo com quem almoçou, depois de lhe passar a Berliet por cima.
Quanto ao resto, lembro-lhe que no Ponte Europa não se apagam comentários
Considero as afirmações de António Lobo Antunes extremamente infelizes e rotundamente falsas. E considero ainda que sentir-se ofendido por elas não corresponde (de maneira nenhuma!) à defesa de um regime e da sua ignominiosa guerra. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Absolutamente nada.
É verdade que houve militares que não tinham contemplações e que matavam a torto e a direito quem quer que lhes aparecesse pela frente. Eu mesmo conheci em Angola uma companhia assim. «Nós somos os "Assassinos do M..."», gabavam-se os seus integrantes. «Nós não fazemos prisioneiros. Quem quer que ande pela mata, é turra, é para abater, seja homem, mulher, criança, cão ou galinha».
Mas também é verdade que houve militares que procuraram sempre manter um mínimo de respeito por si mesmos e pelos seus semelhantes, apesar da indignidade geral que era a guerra injusta em que estavam metidos. Eu mesmo conheci militares assim também.
Conheci militares que ficaram chocados quando uma mulher, que subitamente encontraram numa curva da mata, espetou imediatamente no seu próprio peito uma catana que trazia na mão, suicidando-se. »Mas nós não queríamos fazer-lhe mal!», balbuciaram os soldados com os olhos rasos de lágrimas, diante daquele corpo já sem vida caído no chão e cujo sangue vermelho empapava a terra. «Que grande mulher! Preferiu morrer a deixar-se capturar. É uma heroína», acrescentaram eles, enquanto procediam ao seu enterramento e improvisavam uma cruz que colocaram sobre a sua sepultura. Os militares que eram crentes ainda rezaram uma oração pela alma da mulher antes de abandonarem o local, impressionados pelo acontecimento. Isto não é ficção. Eu estava lá.
Conheci militares que partiram para a mata na madrugada da véspera de Natal, a fim de passarem a noite de Natal no meio da mata, comendo ração de combate à Consoada, em cumprimento de um castigo determinado pelo brigadeiro comandante da Área Militar. O castigo deveu-se ao facto de que eles não tinham procedido à destruição de culturas pertencentes à população refugiada na mata e apoiante da guerrilha. «Nós não estamos aqui para causar a fome a ninguém», disseram eles, «estamos aqui para combater». E partiram para a mata, de cabeça levantada e sem um queixume. A "operação" acabou por ser cancelada a meio da manhã, pelo brigadeiro que a tinha ordenado, e aqueles militares passaram a noite de Natal no quartel, juntamente com os seus camaradas. Isto também não é ficção. Também se passou comigo.
À vista do que acima escrevi, não se pode deixar de considerar extremamente graves e levianas as afirmações de António Lobo Antunes. Elas correspondem à colocação de um rótulo de criminoso de guerra a todo e qualquer militar que tenha participado na guerra colonial. Os meus camaradas de armas -- negros, brancos e mestiços -- não merecem semelhante tratamento. Eles foram uns Homens. António Lobo Antunes é um homenzinho.
Todas as guerras são sujas e deixam os intervenientes maltratados no corpo e na alma. Salvo raras excepções, os militares portugueses tiveram comportamentos de grande honestidade e usavam de humanidade para com os inimigos. Muitas vezes ajudei a curar mazelas e doenças e distribuí comida às populações e aos prisioneiros. Quanto à justeza da guerra, poucos soldados sabiam das potências envolvidas e dos interesses internacionais quanto às independências. As riquezas daquelas terras eram cobiçadas, como sempre.
Não esqueçamos os mais de trinta e cinco mil deficientes e cerca de dez mil mortos em combate. Destes, mais de 1.700 continuam enterrados e abandonados em locais inóspitos de África. Merecem o nosso respeito.
Registo nesse artigo/entrevista [Expresso] uma afirmação de A. Lobo Antunes que julgo muito oportuna:
"Mantenho que todos morremos em África"...
Verdade! Os homens [que integraram as forças operacionais] e o regime [Estado Novo].