Cruzadas contemporâneas...

A nova “cruzada” - liderada pela França - contra os ciganos é mais uma das facetas da Direita, no seu pior: arrogante, intolerante, [ultra]nacionalista, dogmática, repressiva e racista.
Essa Direita provocadora e insensível, muitas vezes violenta, agita – periodicamente – o problema das migrações. Mais uma vez [são múltiplos os exemplos históricos] coube a vez aos ciganos.

Em nome de quê?
Da xenofobia, não, nunca! A desculpa, esgrimida em pleno séc. XXI, é outra: a segurança dos franceses, as leis da República, a UE, o acordo de Schengen, etc…
Enfim, em nome de uma intolerável política securitária tão do agrado da Extrema- Direita.

A evacuação [e destruição física] dos acampamentos ciganos e a posterior expulsão [dos rom's] para hipotéticos países de origem [Roménia e Bulgária] representa – nem mais nem menos – Sarkosy à pesca na águas turvas do clã Le Pen. Sem ter a noção prévia que soltava no seu encalço uma data de “demónios”: A ONU, a Federação Internacional dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional, a Igreja católica francesa [até Bento 16 “sentiu” a necessidade de se pronunciar], a Oposição de Esquerda [PSF] e, para cúmulo da desgraça, até membros do principal coligação partidária que sustenta o Governo [UMP].

Toda a lógica desta inusitada repressão [deportação] enferma de um vício mortal. Se o Governo francês levar a sua análise às últimas consequências esbarrará, exactamente, com a União Europeia, violando um dos seus princípios fundamentais: a livre circulação de pessoas. Se para expulsá-los os consideram romenos ou búlgaros, então, eles têm nacionalidade, são europeus [oriundos de países que integram a UE].

Um travo xenófobo sempre entranhou – de modo explicito ou velado - o discurso de Sarkosy. Tudo começou com o debate sobre a “identidade nacional”, prosseguiu com a legislação apertada e dura sobre a emigração clandestina, a proibição do uso da burka, o incómodo da visão dos minaretes, etc.

Neste momento de repressão selectiva étnica [racismo], se Sarkosy conseguisse lidar com os problemas identitários dos “outros”, como preconiza para os franceses, saberia que:
1.) Os ciganos [os rom’s] erram pelo Mundo [nomadizam] há milhares de anos, provavelmente antes da França ser uma Nação;
2.) Nunca tiveram [nem reivindicaram] uma cultura escrita, referências identitárias circunscritas, pelo que as conjecturas sobre as suas origens e os seus vernáculos traços sociais e culturais, podem ser meras arbitariedades;
3.) No seu longo trajecto histórico o que ressalta são as duras condições de vida ditadas pela mobilidade [acesso à educação, habitação, saúde, etc.] e os epítetos de temidos, expulsos, explorados, marginados, etc;
4.) As actuais deportações, levadas a cabo por Paris, mais parecem desumanas e violentas reedições dos bárbaros “Pogroms”;
5.) …/..

Sarkosy persegue, deste modo, um dos mais infelizes modelos identitários da História contemporânea de França. Mimetiza - com a contenção política e ideológica adequada aos actuais tempos - o regime colaboracionista de Vichy que, na década de 40, deteve cerca de 30 000 ciganos e, posteriormente, entregou-os aos nazis [15 000]. É hoje conhecido o seu fatal "destino". Foram, paulatinamente, encaminhados para fornos crematórios…

Como nota final não posso deixar de relembrar Federico García Lorca que, na sua brilhante obra dramatúrgica “Bodas de Sangre” [levada à cena em Coimbra, pelo CITAC, no final da década de 60], deu visibilidade e enfase à tragédia cigana.
Aliás, o flamenco [música, cante e dança] é artisticamente a sua grande “marca” cultural que, como o povo rom, continua a percorrer o Mundo.
É essa a imagem [foto acima] que me apraz registar acerca deste grave problema.

Comentários

José Mestre disse…
É Pá! Esta Europa deixa-me cada vez mais perplexo! Afinal o Homem não aprende nada com a História? Poderão os crimes do passado repetir-se se lhe mudar-mos o nome? Parece que sim!
Como anti-racista e anti-xenófobo que sempre fui, não posso deixar de concordar com o post.
Porém entendo que se os ciganos não podem ter menos direitos que os outros cidadãos, também não podem ter mais. Por exemplo: se nenhum cidadão pode andar armado sem licença ou com armas ilegais, os ciganos também não podem. Se nenhum cidadão pode traficar armas ou drogas, também os ciganos não podem.
Por outro lado, os cidadãos em geral não têm só direitos, também têm deveres; por uma questão de igualdade, os ciganos não podem ser excepção a essa regra.
Assim, toda a gente sabe que se vive numa casa arrendada - sobretudo se é uma casa da Câmara com renda económica - tem de pagar a renda; se quer água canalizada e electricidade ao domicílio tem de pagar as respectivas contas; se tem filhos ou filhas menores tem que os/as mandar à escola; se tem um negócio lucrativo tem de pagar impostos; se quer ter dinheiro tem de trabalhar; etc.. Os ciganos, que não são nenhuns inimputáveis nem atrasadinhos mentais - nem como tal os devemos tratar - também sabem disso, e portanto não podem estar isentos de cumprir esses elementares deveres.
Enfim, acho que todos devemos esforçar-nos por que os ciganos sejam bem aceites pela comunidade;mas não me parece exagerado pedir aos ciganos que façam também um pequeno esforço nesse sentido.
Manolo Heredia disse…
Se um grupo de 100 portugueses for para França em 10 furgons velhos e sem inspecção, acampar por lá, vivendo de mendicidade e de actividades ilegais, esse grupo, não é de ciganos, mas também será repatriado. Tem dúvidas ?
e-pá! disse…
Caro AHP:

Na questão dos cidadãos migrantes - sejam ciganos ou de qualquer outra etnia -, em meu entender, parece-me importante distinguir dois aspectos:

1.) a estrita observação das regras cívicas que regem a sociedade [independentemente das diferenças culturais ou tradições que devem ser aceites se dentro do quadro dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos] e que, individualmente, cada cidadão é responsável pelos seus actos;

e,

2.) A deportação massiva [ o “repatriamento” é isso!] de comunidades ordenada independentemente da avaliação do comportamento cívico de cada cidadão, mas condicionada pelo facto discriminatório de pertenceram a uma determinada etnia ou raça.

Ao julgarmos estas questões que, neste momento, proliferam no coração da Europa - na "pátria da Liberdade" e não só! - não podemos deixar-nos dominar por medos ou preconceitos, abdicando de valores que, historicamente, defendemos como universais, enredando-nos em particularidades [comportamentais, culturais ou sociais] e, de seguida, generalizar, actuando indiscriminadamente [repressivamente], tomando a parte pelo todo.

A caracterização destes quadros migratórios na sua globalidade social e cultural, i.e., deixando de fora eventuais prevaricações individuais ou de grupo, mantém-se inalterada desde há séculos.
Já Eça de Queiroz - referindo-se ao caso português no século XIX - alertou para esse facto na compilação de textos publicada sob o título "Uma Campanha Alegre":

"Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre...".

Hoje, esta datada visão queirosiana [Portugal vivia no limiar de uma guerra civil entre liberais e absolutistas...] sobre movimentos migratórios, mantém plena actualidade.

As modernas questões migratórias são, na verdade, um complexo problema com que a Europa tem tido imensas dificuldades em lidar de modo concertado, com equilíbrio, sentido de justiça e humanismo [ver, p. exº, a "legislação Berlusconi" sobre emigração].
Trata-se de uma grave questão sobre as Liberdades a que não devemos ser indiferentes.
Cabe aqui a dialéctica brechtiana: Hoje, as vítimas são os ciganos, amanhã, quem será? …
Caro e-pá!
Concordo inteiramente com as suas observações. Ninguém deve ser objecto de discriminações negativas por pertencer a esta ou aquela etnia, justificando-se até, em certos casos, discriminações positivas para quem delas necessite.
E obviamente que repudio veementemente quaisquer deportações massivas ou atitudes repressivas contra pessoas pelo simples facto de serem ciganas ou contra grupos em virtude da actuação de algum ou alguns dos seus membros.
No meu comentário referia-me sobretudo aos ciganos já sedentarizados, cuja integração deve ser promovida fazendo apelo à responsabilidade dos próprios e com a importantíssima colaboração das suas associações.
E o essencial dessa integração prende-se sobretudo com a escolarização das crianças e jovens. A escola pública é o grande factor de integração, de libertação e de promoção social.
e-pá! disse…
Na Quinta da Fonte, bairro da Apelação, ontem, registaram-se alguns incidentes, com grave perturbação da ordem pública, entre grupos de etnias diferentes.
Este bairro - criado para desalojados em consequência dos acessos para a EXPO - é uma miscelânia étnico-cultural, que congrega quase 3 milhares de pessoas.

Um dos animadores sócio-culturais [e penso que religioso] deste bairro é o padre Valentim Gonçalves que declarou à Rádio Renascença:
”Isto que se passa aqui faz-me lembrar toda a problemática que se está a viver em França: uma mentalidade que teve a sua expressão no esvaziamento de uma educação para a participação e para os valores. De facto, estamos num Estado sem autoridade (…), porque trabalha desarticuladamente nas diversas instâncias”. link

Independentemente do valor [e das dificuldades] que não podemos deixar de reconhecer por quem desenvolve um trabalho social e cultural nestes bairros problemáticos, equiparar uma pontual [embora grave] alteração da ordem pública às deportações que os ciganos estão a ser alvo em França é, salvo do devido respeito pela opinião de outrém, comparar um guarda-chuva com a feira de Espinho.

Por esse caminho não falta muito para estarmos a exigir a aplicação indiscriminada de medidas securitárias [de preferência musculadas, duras], incompatíveis com a essência de um Estado democrático.
Razão tem o padre missionário quando desloca o problema para a Educação. Mas não uma Educação para "encher mentalidades" que o clérigo, na suas considerações, considera vazias e não participativas. Melhor seria defender uma Educação para a integração e dotar o bairro de estruturas sociais locais [tanbém integradas] entre as diferentes etnias.
Portanto, a palavra-chave parece-me ser: INTEGRAÇÃO.

Comparar um incidente de bairro com a situação em França é que NÃO!
Uma coisa são casos de polícia, outra serão políticas migratórias, distúrbios identitárias e racismo.
Não é?

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