Islão e excisão do clítoris

Relativamente ao post do ahp:

A excisão do clitóris não é de forma alguma uma prática islâmica. É uma tradição pré-islâmica bárbara existente em algumas tribos do Norte de África, e que aí continuou a existir com a anuência/tolerância das autoridades religiosas islâmicas locais. É prática aliás praticada também pelas populações animistas da região. A excisão do clítoris não se pratica nem no Médio Oriente (excluindo algumas tribos de beduínos no Iémen, geograficamente próximo do corno de África), nem na Turquia, nem no Irão, nem no Paqustão, nem no Bangladesh, nem na Malásia, nem na Indonésia, onde habita a esmagadora maioria dos muçulmanos.

A associação entre Islão e excisão do clítoris é uma falsificação frequentemente utilizada pelos proponentes da teoria do choque de civilizações e pelos políticos populistas de direita que pululam hoje em dia pela Europa, nomeadamente nas regiões mais Setenterionais.

Pode-se criticar muita coisa no Islão radical, mas tomar o todo pela parte não é razoável. Também não me parece ainda razoável criticar todo o islamismo, mesmo o moderado. O islamismo moderado que predomina em algumas partes do mundo (Turquia, Málásia, Indonésia) não difere muito do cristianismo moderado.

Finalmente, e contra a corrente que vai predominando neste blogue, sou muito crítico das proibições relativas ao uso do véu. Isto por duas ordens de razões. A primeira, é que numa sociedade ocidental (como é o caso da França e da Bélgica, que recentemente o proibiram) a mulher tem sempre a possibilidade de escolher usar ou não o véu. O mesmo acontece tendencialmente e de forma crescente (mediante o acesso universal das mulheres à educação em sociedades islâmicas laicas e moderadas (o caso da Turquia e da Indonésia- na Indonésia apenas com a excepção da região autónoma de Banda Aceh). A segunda é que o uso do véu não se restringe à religião islâmica, mas também a outras como o Cristianismo, o Judaísmo e o Hinduísmo, relacionando-se mais como sinal de modéstia em sociedades conservadoras do que como sinal de submissão de teor exclusivamente religioso. A paisagem rural católica e ortodoxa do Sul da Europa (ainda me lembro de a minha avó paterna sempre usar lenço preto na cabeça e roupa preta), um debruçar de olhos sobre uma aldeia Hamish nos EUA, ou um passeio pelo bairro judaico de Antuérpia não deixará de salientar esta evidência.

Comentários

Rui Cascão:

Por este post podem os leitores ver a falta que fazes neste espaço onde publicaste alguns textos brilhantes e bem documentados. Espero que a colaboração continue para nos fazer reflectir.

Há algumas afirmações que devo clarificar:

1 - Sou, segundo creio, o único que defendo a proibição da burqa e do niqab, não sendo uma opinião unânime no Ponte Europa;

2 - A excisão do clitóris não é, de facto, uma recomendação islâmica mas SÓ ACONTECE em contexto islâmico;

3 - Quanto ao carácter laico da Turquia, tenho as maiores dúvidas sobre a sua sobrevivência. As prisões de militares e a «compreensão» do primeiro-ministro pelo assassínio de juízes que zelam pela laicidade, deixam-me as maiores preocupações;

4 - Não penso que o Islão seja pior do que outras religiões mas é incompatível com a laicidade. As democracias impuseram-na às outras religiões.

5 - Se algum partido politico tivesse no seu programa os preceitos da Tora, Bíblia ou Corão, seria processado por incitamento à violência, ao ódio e ao racismo.

As religiões que não aceitam a Declaração Universal dos Direitos do Homem devem ser vigiadas.

Combater as crenças não é perseguir os crentes.
No que toca à excisão do clitoris admito que Rui Cascão tenha razão, tão bem fundamentado se apresenta o seu post. O que é facto, porém, é que essa prática quase só existe em países islâmicos e nunca vi que ela fosse nesses países condenada ou proibida; nem vi nunca os islâmicos criticá-la ou sequer demarcar-se dela. O próprio RC admite que ela existe "com a anuência/tolerância das autoridades religiosas islâmicas"; ora essa "anuência/tolerância" é tão grande que chega a parecer concordância. Daí a minha - e de muito boa gente - confusão.
Quanto ao mais, mantenho o que disse no meu post.
Relativamente ao véu - de que não falei no post mas falo agora - apenas duas pequenas notas.
Parece-me que, em países civilizados e por óbvias razões de segurança, não deve admitir-se que quem quer que seja ande de cara tapada de modo a não poder ser reconhecido, seja com capuzes ou máscaras seja com burkas, niqabs ou véus integrais.
Por outro lado, uma coisa é, nos países ocidentais, as mulheres terem teoricamente a liberdade de andar ou não de véu, outra coisa muito diferente é terem elas a liberdade efectiva de o não usar, pois aquilo que lhes é permitido por lei é-lhes muitas vezes imposto pela família/tribo. Ora compreende-se que países laicos e liberais tenham relutância em admitir que a "lei" tribal prevaleça sobre a lei do país.
. disse…
O corão tem tudo.
Se não tem a forma mais eficaz de evitar essa excisão, então o corão é co-responsável por essa barbárie.

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