O rei Don Juan e a Constituição Espanhola
O naufrágio de Don Juan (Delacroix) |
O rei de Espanha, Don Juan Carlos, tem algumas semelhanças
com o mito homónimo, mas são maiores as diferenças. Apesar de sedutor, não inspira
tantas obras, da literatura à pintura e à música, como o autêntico D. Juan, aquele
que Lord Byron imortalizou na versão épica. Terá eventuais semelhanças na
educação católica repressiva com que o grande poeta perpetuou o mito mas
falta-lhe fôlego, aos 73 anos, para tantas aventuras.
Uma princesa alemã divorciada, em excelente estado de
conservação, não faz do rei de Espanha um émulo do D. Juan, que inspirou Balzac
no conto em que o apresenta como sedutor, bígamo e boémio. Uma caçada no
Botsuana não faz de ninguém boémio, e uma escapadela matrimonial não é motivo
de inspiração para óperas ou romances. A caça de animais em extinção pode
inspirar notícias na comunicação social, mas nunca a atenção de um Mozart para
compor uma ópera.
D. Juan foi uma herança deixada a Espanha pelo genocida
Francisco Franco, na crença de que perpetuaria a ditadura, e, na
impossibilidade de ser fiel à amantíssima esposa, ser discreto para não vexar
a real senhora. A biografia de Don Juan Carlos não o remete para a literatura, apenas
traz à memória o quadro de Delacroix – o naufrágio de Don Juan.
O anacronismo da monarquia está plasmado em três artigos da Constituição
que dizem que a “pessoa do Rei é inviolável”, sendo omissa em relação à rainha,
“e não está sujeita à responsabilidade”, e que o dinheiro recebido do Estado «o
distribui livremente».
O autêntico D. Juan era o mito. O rei não passa de um
genérico. O verdadeiro não tinha imunidade régia nem precisava de dinheiro. Era
concupiscente, cruel e predador sexual, mas não deixou descendentes. Os gostos
de ambos podem ser semelhantes mas o poder nunca deve ser vitalício nem
transmissível pela via uterina. Na República um Don Juan é um mero epifenómeno,
na monarquia é um fardo que pode reproduzir-se por várias gerações.
A República é o único regime em que todos os homens nascem
iguais em direitos.
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