A Lei de Bases da Saúde e encruzilhada do SNS …
O SNS vive atualmente momentos de turbulência e de indefinição. Sabemos donde vem a turbulência. Quatro anos de ajustamento – um eufemismo para caracterizar os ‘cortes cegos’ – tinham de ter consequências.
Quando a coligação PSD/CDS que governou o País de 2011 a 2015 afirmava que a contração orçamental no SNS era justificada pela ‘boa gestão’ e que as prestações não sofreriam alterações qualitativas estava a tapar o sol com uma peneira link.
Na verdade, um corte valor de 11% como o que foi efetuado em 2012 (o dobro do exigido pelo famigerado memorando de entendimento) não poderia passar incólume. Para o ano seguinte 2013 o corte ainda foi mais severo verificando-se uma nova redução esta no valor de 17% link. E foi sempre assim até ao final da vigência do XIX Governo.
O atual Governo, em 2105, foi ab initio confrontado com danos no SNS de difícil reparação. Só que os problemas não se ficam pelo domínio orçamental. Lançar dinheiro sobre o SNS só esconderia, ou quando muito adiaria, a turbulência, mas nunca evitaria a anunciada crise.
Só uma ‘terapia de choque’ pode evitar o colapso deste serviço público, universal, equitativo e tendencialmente gratuito.
O descalabro começou em 2002, com a chamada gestão empresarial dos hospitais públicos e está suficientemente justificado por diversas análises e pelo turbulento curso. Esta gestão ‘empresarial’ enfermou de diversos vícios começando por quantificar arbitrariamente uns hipotéticos desperdícios (estimados à volta dos 25% ?) com a intenção de promover vários tipos de ‘contenções’ , que acabaram por eternizar um esquema orçamental de subfinanciamento crónico, gerador da paragem de investimento tecnológico e um acumulo brutal de dívidas (este sim gerador de desperdícios).
Nos recursos humanos tudo começou pelo destruir das carreiras dos diversos tipos de profissionais de saúde que foram sendo paulatinamente substituídos por contractos individuais de trabalho, precários, i. e., a prazo.
Hoje, existe a exacta noção de que neste serviço público a gestão empresarial, nas questões de recursos humanos, foi gerida com os pés. Matou-se – nas diversas áreas profissionais – a formação, comprometeu-se irremediavelmente os mecanismos de transmissão de conhecimentos e de boas práticas e a renovação geracional sucumbiu a ignaras flexibilidades laborais.
O agravamento dos problemas atuais – que não são pontuais com quer fazer crer o ministro Adalberto Campos Ferreira link – começa neste desvio metodológico do modelo de gestão adotado. Na verdade, os problemas são estruturais e, portanto, políticos. A prossecução - no SNS - de uma gestão com ‘arremedos liberalizantes’ e falsas perspetivas de eficiência, não se coaduna com o carácter universal e equitativo deste serviço público.
A ‘derrapagem’ que se verifica não possível de travar sem a adoção de opções políticas concretas que estejam em sintonia com o alinhamento ideológico que viabilizou este Governo PS. Um putativo ‘mercado da saúde’ que tem vindo a instalar-se deve ser encarado pela Esquerda como uma perniciosa ilusão embora, para a Direita, seja o trajeto lógico para a subversão deste serviço público através de uma mercantil concorrência transformando o serviço público num ‘sistema de saúde’ com um sector privado cada vez mais gordo e dominante.
Fazer regressar o SNS aos valores orçamentais do período pré-troika, embora seja um pesado esforço de ‘reposição’, não basta link. As reversões não chegam quando os danos são muito profundos. Aliás, em 2011, para aonde aponta a anunciada reversão orçamental do SNS, este já estava confrontado com gritantes problemas.
Só uma nova ‘Lei de Bases da Saúde’ que seja capaz de repensar e reequacionar o caminho dos últimos 15 anos, que contemple uma ampla participação dos múltiplos sectores sociais (e socioprofissionais). A partir daí haverá capacidade para definir um novo rumo sem trair a matriz fundadora do SNS. Esta Lei de Bases será o instrumento legal capaz de enfrentar a tempestade que o assola e se intensifica dia a dia.
A comissão que o ministro encarregou de proceder a tal revisão link, onde os profissionais de saúde que conhecem o ‘terreno’ foram liminarmente excluídos, está muito longe de garantir uma solução que seja capaz de reabilitar o SNS e dar corpo (e futuro) a um dos mais relevantes pilares do ‘Estado Social’.
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