Um investigador de ciência da computação, que descobre funcionalidades não previstas nas especificações originais de um programa, é um hacker, mas os cientistas e os génios úteis à sociedade não surgem na comunicação social, só os criminosos virtuais, também geniais, que trocam a missão pelo crime, têm direito ao mediatismo e à defesa acalorada de quem despreza o direito à privacidade. Dos outros!
Quando o nome de um hacker aparece na comunicação social é, quase sempre, o de um criminoso, e raramente o de alguém que abnegadamente procura combater os crimes.
É difícil uma posição coerente, sem dilemas éticos, em relação aos roubos informáticos. Acontece ser-se indulgente para quem comete um crime sem visar benefícios pessoais, e descobre uma teia de corrupção, uma cilada a um cidadão que o privou da liberdade ou a contradição entre quem prega a moral e é um dissoluto. Parecem ter sido os casos do australiano Julian Assange, fundador do portal Wikileaks, ao revelar segredos de Estado dos EUA, e de Edward Snowden, o norte-americano que denunciou as práticas de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA.
Nos últimos tempos assiste-se à defesa inflamada de um português que devassou a vida de cidadãos, instituições particulares e órgãos da soberania, umas vezes pelo prazer que lhe dava a violação da correspondência ou a sabotagem informática, outras para fazer chantagem e tentar extorsões.
Foi preciso um tribunal impedir – e bem –, que a devassa a cidadãos caísse no domínio público, como se um atleta de exceção não tivesse direito à privacidade e à proteção de dados, como se qualquer político devesse ser julgado nas redes sociais ou no pelourinho da opinião pública e não nos Tribunais, como se a intimidade de pessoas não fosse mais importante do que os seus haveres.
Quem assalta uma casa e leva as joias, subtrai bens materiais e arrisca a vida, a prisão e a devolução do produto do roubo, e não encontra quem o defenda ou louve. Quem acede aos segredos de um cidadão, viola a intimidade, devassa-lhe a vida, rouba-lhe a honra, e ainda encontra quem o proteja e incense.
Há na duplicidade de critérios uma amoralidade e um défice de carácter que defendem a impunidade de quem, atrás de um computador, põe em risco a segurança de um Estado, a honra de um cidadão ou a intimidade de um casal.
O crime informático é o crime de colarinho branco que torna indignos os que defendem os autores, desprezando o direito à privacidade e à proteção de dados. É uma traição aos direitos humanos, a mórbida curiosidade de espreitar pelo buraco da fechadura da alma.
Um hacker malévolo é um bandido à solta a precisar de correção e vigilância policial.
Ponte Europa / Sorumbático
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