Agir em Nome de Deus (1)
Peguei no livro “La fé explicada”, de Leo J. Trese (Patmos, Libros de Espiritualidad. Ediciones Rialp, Madrid, 2001. 20ª Edição) e fiquei preocupado com uma passagem do texto onde o autor dá conta do seu pensamento religioso, o qual, no mínimo, dá para preocupar qualquer alma, mesmo que essa alminha seja ateia... ou principalmente se o for. Resulta evidente que tal preocupação só é possível desde o momento em que o leitor se interrogue sobre o que leu… se não se interrogar a preocupação não existe.
Depois de o autor nos afirmar que fomos criados por Deus, sem nos explicar nada sobre o processo criativo nem referir os materiais usados para conceber a obra que terminou nesta perfeita máquina pensante que somos todos nós, confronta-nos com esta inquietante pergunta: “Para que nos fez Deus?”.
A resposta dá-a ele mesmo logo a seguir, antes que nos afoguemos na dúvida: Deus fez-nos “para mostrar a sua bondade. Dado que Deus é um ser infinitamente perfeito, a principal causa pela qual faz algo deve ser uma razão infinitamente perfeita”.
Depreendemos, portanto, que Deus nos criou para poder demonstrar que é bondoso. Se nós não fossemos criados, Deus não teria a oportunidade de demonstrar a sua imensa bondade, porque a restante criação é composta por bestas… isto é, não são seres dotados de capacidades intelectuais que lhes permitam reconhecer e apreciar a excelsa bondade do Criador. Então devemos concluir que Deus nos criou para sua auto-satisfação?!… Para alimentar a sua vaidade de poder ser reconhecido como bondoso?!
Ora… sendo a vaidade um pecado, na óptica do mesmo Deus, ele começa por pecar na sua intenção de nos criar!… Mas, sendo Deus um ser “infinitamente perfeito”, então devemos concluir que a vaidade, afinal, é uma virtude divina!
O seu discurso continua com a demonstração da pequenez dos homens perante Deus, e afirma que fazer algo bem feito “é fazê-lo por Deus”.
Segundo este raciocínio de Leo J. Trese, quando alguém ajuda o próximo com a única intenção de ser útil, alheando-se de que aquilo que faz, só o faz por superior desígnio de Deus, o acto de ajudar não é perfeito, mesmo que tenha alimentado um faminto, salvo um náufrago e vestido um nu!
Se no mesmo momento de agir, o autor da acção não pensou que a sua atitude era exclusivamente tomada por excelsa vontade divina e em nome de Deus, não sei se o faminto se saciava, se o náufrago se salvava e se o nu se agasalhava!…
Esta é a conclusão que me foi possível atingir (talvez entre muitas outras conclusões possíveis) do discurso deste padre católico norte-americano que escreveu um best-seler que em 2001 já ia na vigésima edição… por isso, muitíssimo cotado na tribo católica… mas que lido por quem não alinha em certezas de fé, dá matéria para conclusões inquietantes, como veremos no próximo artigo.
(Continua)
(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)
Onofre Varela
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