Cavaco e a política externa
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Quanto às posições da mais alta figura de Estado começo a ter legítimas inquietações.
Cavaco, salvo o devido respeito, não consegue despir o fato de primeiro-ministro e vestir o de Presidente da República, ao declarar, a respeito do Kosovo, o seguinte:
«Portugal não precisa de se precipitar. Toda a declaração unilateral de independência gera grande preocupação. Devemos continuar a analisar a evolução da situação e, em devido tempo, envolvendo todos os órgãos de soberania, tomar uma decisão».
Esta declaração é absolutamente surpreendente e só contribui para que Portugal se torne cada vez mais disfuncional. Eu tenho a mesma posição do PR, em relação ao Kosovo, e não estou certo de vir a apoiar a decisão de Sócrates, mas não aceito que se intrometa na política externa cuja condução é da exclusiva responsabilidade do Governo.
A decisão deve ser tomada envolvendo «todos os órgãos de soberania»? O PR, a AR e, também, os Tribunais? Foi uma declaração infeliz e deslocada do ex-primeiro-ministro.
Ao fazer declarações públicas sobre um assunto que não é da sua competência, reincide, tal como na OTA, em interferir na esfera do Executivo e compromete o respeito devido ao cargo que exerce. Esqueceu a forma como ele próprio ignorou Mário Soares, quando este era PR, durante a presidência europeia de Portugal, não tendo para Soares a atenção que Sócrates, por gentileza, lhe dispensou, apesar de Soares ter sido o responsável pela adesão à CEE e pelos fundos que lhe permitiram ser primeiro-ministro durante dez anos.
Se quer intervir na governação, o PR terá de resignar ao cargo e voltar à vida partidária. Ele é árbitro, não é jogador. Se persistir em exorbitar as suas funções, temos de o ajudar a terminar com dignidade o mandato que lhe foi confiado.
A Constituição da República Portuguesa e Os Lusíadas, especialmente o primeiro, são livros de leitura obrigatória de todos os Presidentes da República. E os portugueses não podem exonerá-los dessa obrigação.
Comentários
O PR não pode intrometer-se nas decisões que são da exclusiva competência do Executivo.
Favoreceu Sócrates mas não é essa a função do PR.
E admitir que é assunto de todos os órgãos de soberania é absolutamente despropositado, na minha opinião.