Não é assim tão óbvio
No Causa Nossa, em post de terça-feira, refere Vital Moreira:
"Há quem não queira ver a óbvia diferença entre a saída de Estados-membros da federação a que pertenceram (por exemplo, as antigas repúblicas da Jugoslávia) e a secessão de partes do território de um Estado unitário (caso do Kosovo)..."
Ora parece-me que a diferença não é assim tão óbvia. O que define o estatuto político de uma república ou parte integrante é a constituição do Estado. Ora, a Constituição da República Socialista Federativa da Jugoslávia de 1974 é tudo menos clara relativamente ao estatuto político das Províncias Socialistas Autónomas (Socialistička autonomna pokrajina) do Kosovo e da Vojvodina, integradas na República Socialista da Sérvia (e não partes integrantes de um estado unitário). Essas províncias autónomas tinham plena autonomia, personalidade jurídica de direito federal, representação em todos os órgãos da federação: presidência (podendo mesmo o presidente rotativo ser um representante de uma Província Autónoma), no parlamento, no conselho federal e na câmara das nações. Tinham auto-governo e estrutura judicial próprios, não estando directamente (apenas indirectamente, através de mecanismos de transposição que lhes deixavam larga margem de discricionariedade, veja-se o artigo 294º da referida Constituição) subordinadas ao sistema jurídico da RS Sérvia.
Eram, na prática, semi-repúblicas, que apenas para evitar tensões políticas com a Sérvia, e também porque as etnias aí maioritárias, húngara na Vojvodina e albanesa no Kosovo, tinham os seus próprios estados soberanos (em situação de atrito geopolítico com a RSF Jugoslávia) não foram erigidas em repúblicas plenas, ficando apenas integradas na RS Sérvia de forma cosmética, mas integradas na estrutura da federação.
Não existia na Constituição de 1974 o direito de qualquer república (ou província autónoma) à secessão unilateral. Não me parece que seja, como sugere Vital Moreira de forma tão veemente, assim tão óbvio que haja uma diferença tão significativa, no quadro da Constituição Jugoslava de 1974, tão ponderosa entre o estatuto de República plena e o de Província Autónoma/quasi-república, um tipo de autonomia muito sui generis, que permita reconhecer o direito de secessão unilateral à primeira categoria e negá-la à segunda. É tudo menos óbvio, meu caro Watson.
"Há quem não queira ver a óbvia diferença entre a saída de Estados-membros da federação a que pertenceram (por exemplo, as antigas repúblicas da Jugoslávia) e a secessão de partes do território de um Estado unitário (caso do Kosovo)..."
Ora parece-me que a diferença não é assim tão óbvia. O que define o estatuto político de uma república ou parte integrante é a constituição do Estado. Ora, a Constituição da República Socialista Federativa da Jugoslávia de 1974 é tudo menos clara relativamente ao estatuto político das Províncias Socialistas Autónomas (Socialistička autonomna pokrajina) do Kosovo e da Vojvodina, integradas na República Socialista da Sérvia (e não partes integrantes de um estado unitário). Essas províncias autónomas tinham plena autonomia, personalidade jurídica de direito federal, representação em todos os órgãos da federação: presidência (podendo mesmo o presidente rotativo ser um representante de uma Província Autónoma), no parlamento, no conselho federal e na câmara das nações. Tinham auto-governo e estrutura judicial próprios, não estando directamente (apenas indirectamente, através de mecanismos de transposição que lhes deixavam larga margem de discricionariedade, veja-se o artigo 294º da referida Constituição) subordinadas ao sistema jurídico da RS Sérvia.
Eram, na prática, semi-repúblicas, que apenas para evitar tensões políticas com a Sérvia, e também porque as etnias aí maioritárias, húngara na Vojvodina e albanesa no Kosovo, tinham os seus próprios estados soberanos (em situação de atrito geopolítico com a RSF Jugoslávia) não foram erigidas em repúblicas plenas, ficando apenas integradas na RS Sérvia de forma cosmética, mas integradas na estrutura da federação.
Não existia na Constituição de 1974 o direito de qualquer república (ou província autónoma) à secessão unilateral. Não me parece que seja, como sugere Vital Moreira de forma tão veemente, assim tão óbvio que haja uma diferença tão significativa, no quadro da Constituição Jugoslava de 1974, tão ponderosa entre o estatuto de República plena e o de Província Autónoma/quasi-república, um tipo de autonomia muito sui generis, que permita reconhecer o direito de secessão unilateral à primeira categoria e negá-la à segunda. É tudo menos óbvio, meu caro Watson.
Comentários
Nos Balcãs e em política internacional não há coisas óbvias...
Continua a ensinar-nos alguma coisa...