Independência do Kosovo e Precedente no Direito Internacional
Durante a novela da independência do Kosovo, muito sem tem debatido se se criará um novo precedente no direito internacional quanto à emergência de novos estados.
Parece-me que aqui há três níveis de análise desta questão: o nível dogmático, o nível político e o nível propagandístico.
Começando pelo primeiro, o nível dogmático, que consiste em avaliar se, a reconhecer-se o Kosovo, emerge um novo título de acquisição de personalidade jurídica de direito internacional. O tradicional princípio da integridade soberana dos estados, foi-se erodindo após a segunda guerra mundial, por efeito da luta contra o colonialismo e pela emergência do princípio da auto-determinação dos povos. Assim se foram tornando independentes inúmeros países, principalmente em África, mas também na Ásia, após terem derrotado militar ou politicamente a potência colonial que os administrava. Após esse primeiro ciclo de autodeterminação de tipo colonial, seguiu-se um outro ciclo em que uma província de um estado multi-étnico obteve a sua independência ou através de meios militares, ou de pressão diplomática ou da desagregação do estado multi-étnico: o caso da independência da Eritreia da Etiópia, de Timor-Leste da Indonésia, da desagregação da União Soviética, da Jugoslávia e da Checoslováquia.
Segundo, há que analisar o nível político, ou seja, até que ponto a conjuntura política internacional está preparada para, e interessada em aceitar a independência desse estado, bem como as condições objectivas de sobrevivência desse estado.
Terceiro, há que contemplar o aspecto propagandístico, ou seja, a possível utilização dessa declaração de independência como título legitimador por parte de outros movimentos separatistas noutros países.
Ora raciocinemos. Do ponto de vista dogmático, em que difere a declaração de independência do Kosovo das declarações de independência da Eslovénia, do Montenegro ou da Croácia? Todas essas declarações de independência resultaram da desagregação da Jugoslávia ou dos estados que lhe sucederam. Qual o fundamento dogmático para diferenciar esses diversos divórcios? Apenas o artifício legalista de que o Kosovo era, segundo a constituição da Jugoslávia, apenas uma semi-república e não uma república plena. Ou o argumento nacionalista-histórico de que o Kosovo é o berço da nação Sérvia, não obstante esta quase nunca ter tido controle efectivo da região (lembremo-nos que a Sérvia perdeu o Kosovo em 1389, só o voltando a readquirir em 1912). Não me parece que do ponto de vista da dogmática do direito internacional, que se crie qualquer novidade com a aceitação da independência do Kosovo. Muitos outros estados emergiram da mesma forma no passado, entre eles alguns membros da UE, como a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Eslovénia. Do ponto de vista da política internacional, é transparente que há uma concordância suficiente na comunidade internacional para que o novo estado se torne independente, o que se concretizará quando se iniciarem os reconhecimentos do novo estado. No Kosovo, o caso é bastante diferente dos casos da Ossétia do Sul e da Abcásia, que após terem declarado a sua independência da Geórgia em 1991 e 1992 respectivamente, nunca foram reconhecidos por qualquer outro estado, nem mesmo pela Rússia, estado catalizador de situação de facto. Finalmente, o único que é verdadeiramente novo consiste na dimensão propagandística da independência do Kosovo, a ser abundantemente utilizado por nacionalistas separitistas por todas as sete partidas do mundo. Um pseudo-precedente a ser abundantemente utilizado por nacionalistas bascos.
Parece-me que aqui há três níveis de análise desta questão: o nível dogmático, o nível político e o nível propagandístico.
Começando pelo primeiro, o nível dogmático, que consiste em avaliar se, a reconhecer-se o Kosovo, emerge um novo título de acquisição de personalidade jurídica de direito internacional. O tradicional princípio da integridade soberana dos estados, foi-se erodindo após a segunda guerra mundial, por efeito da luta contra o colonialismo e pela emergência do princípio da auto-determinação dos povos. Assim se foram tornando independentes inúmeros países, principalmente em África, mas também na Ásia, após terem derrotado militar ou politicamente a potência colonial que os administrava. Após esse primeiro ciclo de autodeterminação de tipo colonial, seguiu-se um outro ciclo em que uma província de um estado multi-étnico obteve a sua independência ou através de meios militares, ou de pressão diplomática ou da desagregação do estado multi-étnico: o caso da independência da Eritreia da Etiópia, de Timor-Leste da Indonésia, da desagregação da União Soviética, da Jugoslávia e da Checoslováquia.
Segundo, há que analisar o nível político, ou seja, até que ponto a conjuntura política internacional está preparada para, e interessada em aceitar a independência desse estado, bem como as condições objectivas de sobrevivência desse estado.
Terceiro, há que contemplar o aspecto propagandístico, ou seja, a possível utilização dessa declaração de independência como título legitimador por parte de outros movimentos separatistas noutros países.
Ora raciocinemos. Do ponto de vista dogmático, em que difere a declaração de independência do Kosovo das declarações de independência da Eslovénia, do Montenegro ou da Croácia? Todas essas declarações de independência resultaram da desagregação da Jugoslávia ou dos estados que lhe sucederam. Qual o fundamento dogmático para diferenciar esses diversos divórcios? Apenas o artifício legalista de que o Kosovo era, segundo a constituição da Jugoslávia, apenas uma semi-república e não uma república plena. Ou o argumento nacionalista-histórico de que o Kosovo é o berço da nação Sérvia, não obstante esta quase nunca ter tido controle efectivo da região (lembremo-nos que a Sérvia perdeu o Kosovo em 1389, só o voltando a readquirir em 1912). Não me parece que do ponto de vista da dogmática do direito internacional, que se crie qualquer novidade com a aceitação da independência do Kosovo. Muitos outros estados emergiram da mesma forma no passado, entre eles alguns membros da UE, como a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Eslovénia. Do ponto de vista da política internacional, é transparente que há uma concordância suficiente na comunidade internacional para que o novo estado se torne independente, o que se concretizará quando se iniciarem os reconhecimentos do novo estado. No Kosovo, o caso é bastante diferente dos casos da Ossétia do Sul e da Abcásia, que após terem declarado a sua independência da Geórgia em 1991 e 1992 respectivamente, nunca foram reconhecidos por qualquer outro estado, nem mesmo pela Rússia, estado catalizador de situação de facto. Finalmente, o único que é verdadeiramente novo consiste na dimensão propagandística da independência do Kosovo, a ser abundantemente utilizado por nacionalistas separitistas por todas as sete partidas do mundo. Um pseudo-precedente a ser abundantemente utilizado por nacionalistas bascos.
Comentários
A sua homogeneidade étnica e linguística foi conseguida nosúltimos anos com o afastamento de sérvios.
Acho que é difícil sustentar a tese de que não há outros casos semelhantes.
Quanto ao País Basco... deveriam realmente ser criadas as condições para um referendo organizado pela ONU, assim como no Sahra Ocidental.
Mais um post bem fundamentado, como é costume, embora não corresponda ao meu «preconceito».
Por que razão Chipre, Grécia, Roménia, Bulgária e ESPANHA estão contra?
A Caixa de Pandora pode ter sido aberta (ou escancarada, finalmente), com graves reflexos na Europa e em outros continentes.
A Espanha nunca poderá aceitar a declaração unilateral de independencia do KOSOVO. A Espanha não pode dar-se ao luxo de abrir (ou deixar abrir) precedentes deste tipo.
França, também não. A Corsega está a caminho...
Por isso Durão Barroso, está "entalado" com esta questão que, por razões fúteis do sucesso fácil, andou afastada do folclore da presidência da UE em Lisboa.
Agora são os factos consumados!
Barroso está pressionado pelos EUA para a Europa tomar uma posição (favorável). A Rússia de Putin espreita. Nunca fará essa traição à Sérvia.
Este imbróglio, que vitima Barroso mas é descendente da sua negligência, vai-lhe custar o lugar.
Os 6 meses da presidência portuguesa foram divertidos e, um mês depois, o caldo estar completamente entornado, no hall da nossa casa.
De que vale o celebrado, e não referendado, Tratado de Lisboa se vivemos, na Europa, o espectro, interno, de um confronto?
Ou a UE invadir o Kosovo e normalizar a situação?
Ou assistir à Servia a fazê-lo sob o olhar da águia russa?
Como foi possível deixar acontecer uma independencia unilateral, antecipadamente anunciada, e não fazer nada?
Esperar, impassivelmente que nada acontecesse...
Surpresa! ;-))
Quanto à quase homogeneidade étnica dos albaneses do Kosovo (que ao contrário do que muitas pessoas pensam, é uma etnia endógena e não exógena, que já habitava a região ainda antes das migrações eslavas), há que lembrar que, de acordo com os dados demográficos existentes (há que ver que não havia censo ou registo civil no Império Otomano), a minoria Sérvia nunca terá ultrapassado os 25% da população, e que o seu êxodo, mormente no período após a primeira guerra mundial (em que a Sérvia conquistou os ricos e férteis territórios da Vojvodina e o Norte da Sérvia à Hungria) e nos anos 70 , principalmente por motivos económicos (desemprego generalizado no Kosovo, terras pouco produtivas e uma esparança de maior prosperidade no Norte).
Não consigo ver qual a diferença entre a secessão da Eslovénia e a do Kosovo, ambas unilaterais. A única diferença reside na muito subtil diferença entre o estatuto de República constitutiva e o de Região Autónoma da República Socialista Federativa da Jugoslávia. Ambas as categorias tinham, segundo a Constituição da RSFJ, personalidade jurídica e representação a nível federal, sendo que a única diferença residia no número de representantes.
A comunidade internacional reconheceu a secessão de todas as Repúblicas plenas. Qual o óbice de reconhecer também as semi-repúblicas, contornando as subtis matizes legalistas quanto à interpretação da Constituição da RSFJ de 1974 (que aliás se revelou uma péssima constituição, que pouco tempo sobreviveu à morte do Marechal)?
Apesar de entnder que o reconhecimento do Kosovo não cria novo precedente no Direito Internacional, é óbvio que não é conveniente para países com fortes movimentos secessionistas intra muros, tal como Espanha ou Chipre, reconhecerem essa independência.
Finalmente, o que entendo ser o argumento mais importante para a aceitação da independência do Kosovo é o facto de não se poder exigir aos Kosovares, depois de anos de auto-governo, continuar a viver dentro de um estado que oprimiu de uma forma especialmente violenta os Kosovares não Sérvios, que os excluiu durante duas décadas e meia da administração pública e do ensino, que criou a "Geração Perdida" do Kosovo, que praticamente nunca investiu um centavo desde 1912 na construção da economia desse país, minado pela extrema-direita nacionalista.
Para além disso, urante os vários anos de administração do Kosovo por parte da UNMIK, nunca se viu qualquer proposta construtiva da Sérvia para sair do impasse. A Sérvia acaba por colher os frutos do ódio que foi semeado por Milosevic, e que inebriados pelo nacionalismo os líderes da democracia pós-Milosevic não quiseram corrigir. É muito estranho que nenhum dos vizinhos da Sérvia queira permancecer no mesmo estado que eles, nem mesmo o Montenegro que com a Sérvia partilha a mesma língua, a mesma religião, a mesma cultura e a mesma história. E essa, hem?