Em favor do acordo ortográfico
Interessante o artigo de Vasco Graça Moura no DN de ontem.
O autor, que é uma autoridade em matéria de filologia portuguesa, aponta aí algumas lacunas e falhas desse tratado. No entanto, tal como não partilhei do seu conservadorismo aquando da sua oposição veemente à TLEBS, não posso concordar com as resistências à tendencial unificação da língua portuguesa através do acordo ortográfico com os outros países que, connosco partilham o universo lusófono.
Qual é a necessidade absoluta de se manter uma ortografia arcaica, que já não se deixa reflectir na realidade linguística de qualquer dos seus falantes? Qual é a necessidade de, por mero conservadorismo, se manterem duplas consoantes ali onde elas já não são pronunciadas por qualquer dos seus falantes contemporâneos? Por exemplo, qual o sentido de grafar a dupla consoante em palavras como a(c)ção, a(c)to ou ó(p)timo (a eliminação da consoante supérflua é prevista pela Base IV do Acordo).
Entendo que mais importante que procurar manter a conservadora mas hermética ortografia tradicional do que manter uma atitude de orgulho e reivindicação de direitos de autor do nosso idioma, do qual somos apenas 6% dos falantes a nível mundial. Entendo que quanto mais nos distanciarmos dos nossos irmãos brasileiros, que são a maioria dos lusófonos, mais divergirão as diversas variantes, até que um dia se separarão.
Outro argumento que apresento relaciona-se com recentes afirmações do escritor angolano José Eduardo Agualusa, defendendo que, não entrando o acordo em vigor, que propugnaria a grafia brasileira em Angola. Ora, assim, não ratificando Portugal o acordo, abrem-se as portas à deserção dos PALOP da norma lusista, cavando-se outro oceano entre nós e os irmãos lusófonos africanos.
Finalmente, outro argumento que me parece de peso relaciona-se com o ensino da língua e da correcta ortografia. Muitos erros ortográficos dados não só por estudantes, mas também, ainda infelizmente, pela esmagadora maioria da população portuguesa, relacionam-se com a extrema complexidade da ortografia. Para além disso, revela-se ainda como um obstáculo adicional à aprendizagem da língua portuguesa por parte de estrangeiros, muitos dos quais optam pela maior simplicidade da grafia brasileira. Sempre que ajudo a minha esposa a aprender português, ela que não é portuguesa, e em cuja língua cada letra se pronuncia invariavelmente como se escreve, vejo-me confrontado com a sua perplexidade e frustração face à desnecessária complexidade da nossa ortografia.
Obviamente que há muitas lacunas no acordo, como assinala VGM, mas nenhuma lei, acordo ou tratado internacional pode ter a ousadia de ser produto de uma vontade racional perfeita e absoluta. Só a sua implementação prática e os desafios suscitados pela sua execução e posterior avaliação poderão ajuizar das suas vantagens e desvantagens, podendo sempre ser revista, tal como aconteceu com o acordo ortográfico da língua alemã de 1996, que acabou por ter que ser revisto em 2006, para eliminar algumas falhas e limar algumas arestas.
Simplifiquemos, senhores, sob pena de um dia perdermos (e parafraseando Fernando Pessoa) a nossa Pátria, a língua portuguesa.
Comentários
É uma questão de pragmatismo. Doutro modo o português corre o risco de se tornar um dialecto do brasileiro.
Não podemos esquecer que o português é a 3ª língua internacional mais falada, depois do inglês e do espanhol, mas temos de fazer algumas concessões para manter esse estatuto.
António Horta Pinto
mil perdões...