Crónica de um 13 de maio


Maria

Se a alva e meiga Senhora que há noventa e cinco anos poisou numa azinheira, vestida com um manto de luz, para gáudio de três inocentes pastorinhos, por erro de navegação celeste houvesse poisado numa azinheira errada e encontrado um só pastor, mancebo de vinte e tantos anos; se a falta de energia lhe tivesse apagado o manto, sendo a beleza tanta quanto dela disseram as criancinhas, e entre o manto e o corpo nada houvesse, como é de crer, por ser a luz que resplandecia o único vestido que a cobria, poderia o dito pastor chamar-se José, como o humilde e humilhado carpinteiro de Nazaré, e a história seria outra.

 Se o dito pastor, mancebo de vinte e tantos anos, na flor da idade e do desejo, impelido pelos sentidos, fosse tão rápido e eficaz a tomar a dita Senhora como o era a conduzir o rebanho, não seria o papa, muitos anos depois, a entrar em êxtase; seria ele, pastor, ali e então.

E, em vez de serem criancinhas a ouvir “eu sou a Nossa Senhora”, pitoresca apresentação que só ouvi a um sargento, apresentando-se aos soldados, “eu sou o nosso primeiro Vieira”, em vez dessa apresentação que os exegetas atribuem à Virgem Maria, teria ouvido o pastor, mancebo de vinte e tantos anos, mais afeito ao rebanho que ao corpo feminino, à guisa de apresentação e despedida, com voz lânguida e conformada, “eu sou Maria”.

Tudo leva a crer que a referida Senhora, de tão rara beleza, teria esquecido a conversão da Rússia, poupado o dito pastor à oração e, em vez de duas ou três aparições, poderia tentar outras, sabendo embora que não era a azinheira certa aquela em que poisava, mas adivinhando à sua sombra o pastor, mancebo de vinte e tantos anos.

Dizem-me que o País deveria duplicar o número de azinheiras para igualmente duplicar as probabilidades de novas aparições. Tenho a esse respeito opinião diferente, tese igualmente respeitável, embora nestas questões pouco valha a dialética, impossível que é formular a antítese, pois a ciência certa nunca a teremos. Penso que o caminho, o caminho correto, está em duplicar o número de crianças que prefiram à escola a oração e se dediquem à pastorícia, de preferência longe dali, que os milagres raramente se repetem perto, e se acontecem, como há sobejas provas na Ladeira e noutros sítios, nunca são reconhecidos, por se desconfiar da abundância e se temer a concorrência.

E se no futuro apenas houver pastores crianças, com joelhos no chão e olhos no Céu, nunca mais haverá qualquer pastor na flor da idade e do desejo, mancebo de vinte e tantos anos, a ofender a virtude e a mudar o sítio às azinheiras, a perturbar a circulação celeste e os milagres.

Carlos Esperança

Comentários

Antonio disse…
Passos disse que despedir-se ou ser despedido não é um estigma, mas uma oportunidade de vida.
Pois, Passos pode dar o exemplo: Despeça-se!
A indústria da cera e o mercado dos milagres da sucursal da grande multinacional do Vaticano, sediada no Santuário de Fátima, está a contribuir para o crescimento do PIB da economia portuguesa. Espero convictamente que, entre os "órgãos do corpo humano", lançados piamente para o fogo purificador do tocheiro (ver link do JN), não tenham ido reproduções em cera de órgãos fálicos. É que, se fosse assim, acasalava-se a pornografia com o folclore da Fé.

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=2515179
Julio disse…
Fátima: uma Senhora que gosta de cera!
Até ao dia 12 de Maio, já tinham sido vendidas
31 TONELADAS dela!!!
[No Diário de Notícias - Sábado]

O contexto é este: Desemprego em Portugal dá vantagem à SEITA de Roma!

As outras seitas ficam com uma destas invejas!!

Abaixo a Concordata!

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