Fatalidades, inaptidão e/ou cumplicidades?


Vivemos na ilusão que conseguiremos vencer a crise europeia pela persistência. Evitamos, enquanto Europa, ‘sentir’ a trajectória de isolamento para a qual estamos a ser relegados. Em cada Conselho Europeu construímos soluções, aparentemente brilhantes, consensuais e – encare-se a realidade – duras, que os mercados na semana seguinte canibalizam. Se endurecemos - através da austeridade - medidas de combate ao deficit orçamental, estas significam, para os ‘mercados’, a intensificação da ‘espiral recessiva’ e, logo, o aumento do risco de pagar, em várias maturidades, a dívida externa, só possível com um crescimento económico robusto.

Estamos a ser paulatinamente conduzidos, enquanto europeus, para um ‘cul de sac’. Dia após dia, somamos aos países já intervencionados o espectro de novos ‘aderentes’. Aos casos da Grécia, Irlanda e Portugal, temos de acrescentar Chipre e prepararmo-nos para juntar a Espanha e a Itália. Isto a breve prazo.

Sobre o intervalo decorrido entre o dealbar da crise e os dias de hoje (2008-2012) o saldo, na realidade, não é positivo.

A Grécia está confrontada com a realidade de uma profunda recessão, aumento da dívida externa (apesar do ‘hair cut’) e as soluções políticas - quer impostas pela UE ou gizadas pelo escrutínio popular - não funcionam. Neste momento, vive a ameaça do fim da ajuda externa (recente declaração de intenções do FMI) e o 'inevitável' abandono da Zona Euro.

A Irlanda, a braços com uma situação bancária insustentável que obrigou a injecções massivas de auxílio externo (BCE/FMI) está a dar ténues sinais de consolidação do sector bancário e tenta, por esse caminho, regressar aos ‘mercados’, mas os sinais de recuperação económica são débeis (um crescimento previsto de 0,5% em 2012 para um deficit estimado em 8,6%) e a situação social muito tensa.

Portugal, apesar de medidas restritivas drásticas que aprofundaram a espiral recessiva e de um Governo empenhado em ser um ‘bom aluno’, está à beira do incumprimento das metas do deficit em 2012, com todas as consequências daí advindas para um ‘projectado’ regresso aos ‘mercados’ em 2013. Acresce que a estes factos, surgem dois novos ‘acidentes’: começa a desmoronar-se o consenso político, gerado em 2011, à volta do programa de resgate; e prenuncia-se uma escalada da contestação social.

Chipre, é o mais recente membro do ‘clube dos intervencionados’ tendo solicitado um pedido de ajuda financeira à UE, sendo a primeira evidência da ‘tese do dominó’, dada a sua exposição à ‘crise grega’.

Espanha, debate-se entre incríveis ambiguidades políticas e uma infernal realidade financeira, económica e social. Perante um gigantesco ‘buraco financeiro’ que tem sucessivamente ‘levado à glória’ muitas Cajas de Ahorros, destroçando o sistema bancário, o Governo sentiu necessidade de accionar um pedido de assistência financeira à UE direccionado para o saneamento do sector bancário. No plano social pisam-se terrenos agitados e movediços. Enquanto ainda decorrem acertos sobre um ‘especial’ modelo de apoio ao sistema bancário, surge no horizonte a urgente solicitação de ‘auxílio’ financeiro ao Governo espanhol, por parte dos Governos de diversas comunidades autónomas (Valência terá sido o rastilho), facto que coloca a Espanha na eminência de um ‘resgate global’.

Itália, alia em simultâneo uma crise política, económica e financeira. Embora com um deficit relativamente controlado tem uma dívida pública elevada (120% do PIB em 2011). O crescimento para 2012 – depois de revisto - será inferior a 1%. Politicamente, a instabilidade é notória, o que dificulta a adopção de eventuais 'ajustes internos', estando o regime democrático em interregno funcional, com a governação Monti. Estão reunidos os ingredientes para o colapso. É o País que se segue (na óptica dos ‘mercados’).

Este ponto da situação, simplificado e esquemático, mostra que o ‘ataque’ (com múltiplas facetas) aos Países que integram a Eurozona não é acidental, nem fortuito e muito menos inocente. Existiram, na verdade, erros de percurso, de planeamento, falta de rigor orçamental, nomeadamente, nos últimos 10 anos. Todavia, essas circunstâncias tornam, hoje, mais notórias as fragilidades (financeiras e políticas) permanentemente evidenciadas pela UE em cada cimeira que já realizou e, adiantamos, nas que projecta realizar.

Por detrás desta avalanche de manobras, atribuídas lato sensu aos ‘mercados’, não se esconderá uma estratégia financeira global?
Ou existirão ocultas conivências?

Comentários

latu sensu ou latus sensus já que latini semper singularis sequitur. ...incipit esse tuus épá
O Otium é a negação do negotium
e aqui os mercados são putos a especular com os futuros via banca de singapura
E velhotes de 60 a 90 anos a voltarem a ter notas de Benjamin's e da Banca Suiça em casa com pesa papéis de ouro e plata...

os mercados é gente que vendeu as obrigações emitidas com base na dívida de países da cee com perdas de 2% em 2008
e aqueles que ficaram com elas até 2018 ou 2022 para ver se recuperam 80% com sorte ou 50% en écus se ainda forem vivos en 2022

o euro definitivamente deixou de ser moeda de refúgio
3 a 4% de queda bolsista provam-no

é um mundo feito de dólares até este quebrar
Strictu sensu vou perder potencialmente, até 2020 se estiver vivo pelo menos 60 a 70%
do que já perdi com a desvalorização do eurro.
Os mercados são a ganância dos novos e o medo dos velhos (e só começa a ser velho quem tem mais 2 anos que tu pá...)

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