O cuco-canoro...

Declarações do 1º. Ministro, ontem, num jantar com o grupo parlamentar do PSD:

"Estivemos a um passo da bancarrota e um ano volvido, a perceção que existe é de que não demos um passo em frente [...] Foi talvez a única área em que andamos para trás", criticou o governante acusando os partidos da oposição de não terem uma visão sobre o futuro que possa "representar um caminho alternativo" para Portugal. link

Há um ano - para nos cingirmos ao período referido por Passos Coelho - fomos, e os portugueses sabem-no bem, confrontados com um impiedoso cerco dos ‘mercados’, quer directamente, quer através de seus títeres, que impossibilitou a prossecução de ‘normal e usual’ financiamento do Estado, da economia e do sector bancário. Fez-se ‘sentir’, de modo avassalador e directo, o peso da dívida (pública e privada). Saltaram para a ribalta política os ‘ocultos’ erros de sucessivos Governos: deficits orçamentais excessivos a par de um crescimento económico anémico. Erros que condicionaram um desmesurado endividamento do Estado, do sector bancário (maioritariamente privado), das empresas e das famílias. Da conjugação de todas estas vertentes ‘nasceu’ o desastre. Mas o ‘filme’ não começa nem acaba aqui.

Para não nos fixarmos na árvore próxima, temos de recuar mais. No início do mandato do XVIII Governo Constitucional – em 2009 - começaram os ‘ajustamentos’ com os PEC’s e, então, para o PSD na oposição, todas as alternativas pareciam viáveis, nomeadamente, as 'suas'. Esse caminho repleto de meandros alternativos foi, então, entusiasticamente abraçado pelo PSD/CDS. Era a oposição pura e dura. Convém recordar que a ‘pressão’ dos ditos ‘mercados’ não dava tréguas e as negociações no seio da UE, para estabilizar a situação financeira, não ‘ofereciam’ soluções. Neste caminho, de tentativas e de procura de respostas, chegamos - pela mão do Governo - ao PEC IV. A situação, não vale a pena ‘brincar’ com a amnésia dos cidadãos, era dramática. Todavia, nessa encruzilhada, os actuais governantes, de braço dado com a totalidade das Oposições, não hesitaram em lançar o País numa crise política de consequências devastadoras.

No meio dessa crise os actuais governantes propalaram alto e em bom som que estavam ‘disponíveis’ para Governar com o FMI – no que foram ‘acompanhados’ pelo sector bancário e financeiro - o que traduzia uma brutal inversão estratégica.
Aí – ou a partir daí - o País passou de um estado de severas e dificilmente contornáveis dificuldades de financiamento e iniciou o doloroso (realista)  convívio com o espectro da ‘bancarrota’.
O PSD e o CDS aproveitaram o momento para lançarem desenfreadas ‘soluções alternativas’. Configuram aquilo que hoje sabemos serem meras ‘promessas eleitorais’ rasgadas no dia seguinte do assalto ao Poder (e justificadas por 'colossais' buracos financeiros e orçamentais).
Derrubaram o Governo e, uma vez consumado o acto e antes de qualquer acto eleitoral, ‘obrigaram-no’ (apesar de estar em 'gestão corrente') a negociar um programa de assistência externa com a UE e o FMI. Também chamado ‘de resgate’. Sobre esse memorando surgiram (e continuam a surgir) os mais diversos ‘entendimentos’. Desde uma leitura 'político-dietética', demagogicamente assumida pelo PSD/CDS, durante o periodo eleitoral que se seguiu, em que bastaria cortar na ‘gorduras’ do sector público para alcançar o Éden, ao 'furor keynesiano' do PS que pretendia combater a crise instalada com mega-projectos de investimento público (TGV, NAL, 3ª ponte sobre o Tejo, etc.), através de PPP’s, passando pela necessidade de renegociação (reestruturação) da dívida, defendida pelos grupos políticos mais à Esquerda. Havia, portanto, 'soluções' para todos os gostos. 

Como muitas vezes acontece em política, nenhum destes diferentes posicionamentos seria (ou será), como hoje é notório, uma inatacável solução.
A resposta (à crise), como começa a ser fastidioso relembrar, sempre residiu (e reside) fora do País. Isto é, numa Europa enrolada em contradições económicas, com interesses financeiros divergentes, política e estrategicamente à deriva e actualmente subjugada a revanchismos moralistas e puritanos (para não dizer arianos).

Mas voltemos ao ‘bordão governamental’ (de ser o 'salvador da bancarrota') e tentar colocar as coisas no seu lugar.
Quando, há cerca de um ano, a actual maioria chegou ao poder o cenário de ‘bancarrota’ estava afastado, embora os desafios permanecem. Existia um ‘pote’ de 78.000 M€ e, claro está, um programa de ‘ajustamento’. Que para consumo interno se atribui a sua autoria ao XVIII Governo Constitucional. Todavia, a sua ‘leitura’ é, nos dias que correm, um usurpado privilégio de Passos Coelho que, ad nauseum, a usa como arma de marketing e de arremesso político.
Trata-se, assim, de um 'primeiro-ministro cuco’ (ave canora que anuncia 'primaveras' e aproveita pela calada para pôr os ovos no ninho dos outros pássaros).

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