TC: O ‘inesperado’ acórdão…

Acórdão n.º 353/12

Processo n.º 40/12

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Na sessão plenária de 5 de Julho, o Tribunal Constitucional aprovou o Acórdão nº 353/12 que julgou o pedido de declaração de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012).

Pelas referidas normas foi suspenso o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou de quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, quer para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades públicas, quer para pessoas que auferem pensões de reforma ou aposentação através do sistema público de segurança social, durante os anos de 2012, 2013 e 2014.

O Tribunal verificou que esta medida se traduzia numa imposição de um sacrifício adicional que não tinha equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes, tendo concluído que a diferença de tratamento era de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia na prossecução do objectivo de redução do défice público que fundamentavam tal opção não tinham uma valia suficiente para a justificar.

Por isso entendeu que esse diferente tratamento a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas ultrapassava os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional.

Apesar da Constituição não poder ficar alheia à realidade económica e financeira, sobretudo em situações de graves dificuldades, ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os objectivos económico-financeiros prevaleçam, sem qualquer limites, sobre parâmetros como o da igualdade, que a Constituição defende e deve fazer cumprir.

Por estas razões, o Tribunal concluiu que a dimensão da desigualdade de tratamento que resultava das normas sob fiscalização, ao revelar-se manifestamente desproporcionada perante as razões que a fundamentavam, se traduzia numa violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da Constituição, pelo que declarou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012).

Atendendo a que a execução orçamental de 2012 já se encontra em curso avançado, o Tribunal reconheceu que as consequências desta declaração de inconstitucionalidade, poderiam colocar em risco o cumprimento da meta do défice público imposta nos memorandos que condicionam a concretização dos empréstimos faseados acordados com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, pelo que restringiu os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos permitidos pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, não os aplicando à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.

A decisão foi tomada por maioria. Votaram a declaração de inconstitucionalidade o Conselheiro relator, João Cura Mariano, e os Conselheiros Ana Guerra Martins, Catarina Sarmento e Castro, Joaquim Sousa Ribeiro, Carlos Pamplona de Oliveira, José Cunha Barbosa, Maria João Antunes, Carlos Fernandes Cadilha e o Conselheiro Vice-Presidente, Gil Galvão; votaram vencidos os Conselheiros Vitor Gomes, Maria Lúcia Amaral e o Conselheiro Presidente, Rui Manuel Moura Ramos. Votaram a restrição de efeitos desta declaração o Conselheiro relator, João Cura Mariano, e os Conselheiros Ana Guerra Martins, Joaquim Sousa Ribeiro, Vitor Gomes, Maria Lúcia Amaral, Maria João Antunes, Carlos Fernandes Cadilha, o Conselheiro Vice-Presidente Gil Galvão e o Conselheiro Presidente Rui Manuel Moura Ramos; ficaram vencidos quanto a este ponto os Conselheiros Catarina Sarmento e Castro, Carlos Pamplona de Oliveira e José Cunha Barbosa. link

Interessante é como o site digital de o ‘Económico’ lê esta declaração do TC:  ‘Constitucional permite o corte de subsídios este anolink. O copo meio cheio ou meio vazio…

Enfim, trata-se de uma decisão que vai agitar, nas próximas horas, os meios políticos...

Comentários

Carlos Fonseca disse…
É interessante? Não, não é, porque é essa a porta que este desastroso e vergonhoso acórdão abre.

O confisco é inconstitucional, ponto final.

Mas os doutos juízes, abrem a porta ao alargamento do confisco.
E-Pá:

Vim para casa para fazer um post sobre o assunto.

Encontrei o trabalho feito e, como subscrevo largamente o teu texto, poupei trabalho.

Obrigado.
e-pá! disse…
Carlos Fonseca:

De facto, a decisão do TC pode abrir portas, e essencialmente, 'novas' e/ou 'outras' portas. A aceitação da 'violação' durante 2012, é muito 'salomónica'.
Mas dificilmente o Governo poderá contornar o facto de ter enveredado por trilhos inconstitucionais para cortar na despesa.
O problema político é se levarmos a sério a reacção serôdia de Passos Coelho, constata-se que - mais uma vez - este Governo está tentado a 'rasgar' um solene compromisso com os portugueses. Qualquer tipo de 'imposto extraordinário' que venha a ser inventado com carácter universal, para fugir à violação do princípio da igualdade, traduz-se por mais uma medida do lado da receita.
Muitas das argumentações aduzidas pecam por parcelares. Os pensionistas, cujos subsídios de Férias e Natal também foram confiscados, provêm do sector privado e aqui haverá algo mais do que a violação do princípio da igualdade, i. e., existe, no concreto, uma violação contractual.
De resto, estou convicto que o Governo, perante a situação criada pelo TC, terá dificuldades em impor 'soluções fáceis' (como fez durante o 1º. ano de governação). O que se segue poderá ser muito complicado quer em termos internos quer no âmbito externo (que inevitavelmente foi trazido à colação).
A ver vamos...
FH disse…
http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=2650520

a propósito da notícia acima:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120353.html

"...Ora, nenhuma das imposições de sacrifícios descritas tem equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos seus montantes.

A diferença de tratamento é de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida adotada na prossecução do objetivo da redução do défice público para os valores apontados nos memorandos de entendimento não tem uma valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, tanto mais que poderia configurar-se o recurso a soluções alternativas para a diminuição do défice, quer pelo lado da despesa (v.g., as medidas que constam dos referidos memorandos de entendimento), quer pelo lado da receita (v.g. através de medidas de carácter mais abrangente e efeito equivalente à redução de rendimentos). As referidas soluções, podendo revelar-se suficientemente eficientes do ponto de vista da realização do interesse público, permitiriam um desagravamento da situação daqueles outros contribuintes que auferem remunerações ou prestações sociais pagas por verbas públicas.

Daí que seja evidente que o diferente tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional..." SALVO MELHOR OPINIÃO, O senhor primeiro ministro não leu bem o acordão,ou se não o leu, explicaram-lhe mal: as normas declaradas inconstitucionais são violadoras do principio de igualdade em duas vertentes: salários de função publica e reformas de privados que o estado capta não são a mesma coisa; 2 - O orçamento de estado de 2012 não impõe o mesmo sacrificio a cidadãos que auferem "RENDIMENTOS DE OUTRAS FONTES" , que eu traduzo-lhe, pro bono, de juridiquez para português, não somente aqueles que têm uma retribuição mensal fruto do seu TRABALHO actual (salários) ou do passado ( pensões) têm que contribuir, outros há, que auferem rendimentos de OUTRAS FONTES (v.g. lembre-se duma taxa Tobin, às transacções bolsistas ) que também têm de entrar pela madeira dentro como o Zé que trabalha ou trabalhou!!

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