Portas, Machete e a dama do véu


Um luzido séquito, capitaneado pelo vice-PM e coordenador dos assuntos económicos e canónicos, assistiu anteontem, no Vaticano, à criação do único cardeal português dentro do prazo e que, sob o pretexto de haver em Lisboa um cardeal com direito a voto, manteve adiado o barrete cardinalício. Só agora, após o passamento do cardeal Policarpo, logrou aconchegar o cocuruto com o ambicionado adereço.

A tradição de criar cardeal o patriarca de Lisboa é um costume do rito romano da ICAR que vem do século XVIII, um estatuto conferido por inerência de funções numa diocese patriarcal. Que desta vez o Governo tenha mandado Paulo Portas, carregado com o casal Machete e o pio secretário de Estado da Cultura, em vez de um elefante com ouro, como fez D. João V, é sinal de penúria e da degradação zoológica da comitiva.

Surpreende que um país, com graves problemas financeiros, mantenha a embaixada do Vaticano, com a de Itália a poucas centenas de metros, num Estado onde, por falta de espaço, a representação diplomática está domiciliada fora.

Quanto à ida de Paulo Portas nada há a dizer. Salvo os colegas do Opus Dei, afligidos com cilícios e mais horas de genuflexão, poucos têm tantas missas no currículo e tanta devoção exibida.

O que surpreende num país laico, onde a Constituição obriga à separação da Igreja e do Estado, é o convite ao Papa para vir a Portugal no centenário das ‘aparições de Fátima’, como se o acesso à agência lhe fosse vedado, e como se o ministro tivesse competência para certificar a Cova da Iria como local de ‘aparições’, anjódromo ou laboratório para acrobacias solares.

O Sr. Duarte Pio descobriu que os cavalos de D. Nuno se ajoelhavam em Fátima quando as cabras não tinham ainda a guardá-las crianças com queda para a santidade. Agora é o imutável Paulo Portas que certifica a beatitude do local e as aparições que o Vaticano, para evitar o ridículo, prefere qualificar de ‘visões’.

Esta gente é mais dada à fé do que à realidade e às orações do que ao sentido de Estado.

Comentários

Unknown disse…
Amigo Carlos Esperança, o seu texto é excelente e suficientemente irónico que me provocou umas boas gargalhadas.

Mas não desejando roubar-lhe tempo, gostaria contudo anotar que o Vaticano não permite que um embaixador dum país acreditado por si, seja igualmente embaixador por acumulação num outro país.

Se assim não fosse, a maioria dos países com embaixadas em Roma teriam o mesmo embaixador no Vaticano. Mas justamente porque o Vaticano nessas circunstâncias não faz a acreditação desses embaixadores, os países que mantenham relações diplomáticas com o Vaticano, têm de nomear um embaixador em regime de exclusividade para o Vaticano.

Talvez seja por essa razão que normalmente os embaixadores designados para o Vaticano, são os que estão no fim de carreira e ali terminam a sua actividade diplomática.

Abraços
Caríssimo:

Agradeço o esclarecimento que, de facto, desconhecia.

Já várias vezes tenho usado este argumento contra o desperdício e, graças a si, descubro que não tinha razão.

Reitero os agradecimentos com um abraço.
e-pá! disse…
E se em vez de um embaixador o Estado português delegasse esta representação num encarregado de negócios?

Não seria mais objectivo considerar a concordata um negócio?

Todavia, a confusão nasce da dificuldade em perceber se Portugal tem um representante diplomático junto do Vaticano ou da Santa Sé.

Certo e sabido é que o Estado português subscreveu com a 'Santa Sé' uma concordata...

Julgo o Vaticano enquanto Estado não tem embaixador em Lisboa e o 'núncio'(apostólico!) será o representante da Santa Sé (que deverá ser entendido como 'outra coisa' na perspectiva de um Estado laico).

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