Espanha – A amnésia do passado e a incerteza do futuro

A Espanha entrou no comboio da democracia à boleia do 25 de Abril português, quando Franco era já um cadáver adiado e o país uma sádica ditadura, sem futuro.

Adolfo Suárez conseguiu, contra os mais empedernidos franquistas, fazer uma transição democrática consensual, graças à aprovação da atual Constituição, monárquica, liberal e pluripartidária, apesar da as sondagens à população darem preferência à República.

O medo assimilado na perversa ditadura franquista e o risco de novo golpe fascista, que, aliás, viria a ser tentado, levou os partidos e o próprio povo a consentirem a monarquia. O regime ambicionado pelo genocida Franco, que educou no fascismo o futuro rei, Juan Carlos, acabou por se impor, mas a amnistia dos crimes franquistas é a ferida aberta que permanece, e abre caminho ao retrocesso democrático em curso.

Enquanto o problema catalão prossegue sem solução e o nacional-catolicismo regressa a Espanha, surgem movimentos que pesquisam, descobrem e assinalam numerosas valas comuns para onde os franquistas atiraram os adversários assassinados. O país divide-se entre os nostálgicos do passado e os que esperam um módico de justiça para as décadas de tortura, execuções, fuzilamentos sumários e despotismo.

Só a Junta da Andaluzia encontrou 88 novas valas de vítimas do franquismo. O Mapa das Valas Comuns não para de atualizar-se. Sevilha, Huelva e Cádis têm respetivamente 136, 124 e 118 valas localizadas. Depois, vêm Granada com 108, Málaga (99), Córdoba (79), Jaén (27) e Almería (11). Na Andaluzia estimam-se desaparecidas 48.349 pessoas, durante a ditadura, muitas dispersas por outras províncias: 367 (Almería), 1.555 (Cádis), 5.139 (Córdoba), 11.563 (Granada), 10.382 (Huelva), 2.039 (Jaén), 7.241 (Málaga) e 10.063 (Sevilha). *

A violência adormecida durante quatro décadas acorda com inusitada violência e desejo de justiça num país dilacerado pela corrupção, desorientação do Governo, descrédito da monarquia e avidez da Igreja católica, ansiosa por recuperar e ampliar privilégios, numa luta despudorada contra a separação da Igreja e do Estado.

Mais do que o anacronismo das instituições e a desadequação da Constituição às novas realidades, é a sobrevivência e a impunidade do velho franquismo que ameaça a paz e a convivência entre os espanhóis. 

* Os dados deste parágrafo foram recolhidos no diário País, Espanha, de 03-04-2018.

Comentários

e-pá! disse…
A libertação da Carles Puigdemont é uma grande machadada para o ultranacionalismo falangista que, em surdina, continua a inspirar Rajoy e os ditos 'constitucionalistas'.
Vem, por outro lado, favorecer as posições dos ‘independentistas’ e, mais alargadamente, dos defensores de uma Espanha das (múltiplas) Nações.

Na verdade, quando o Governo de Espanha tentou internacionalizar (‘europeizar’) a questão catalã, algo correu mal e ruiu pela base o argumento de ‘crime de rebelião’ que tem sustentado a posição política do Governo de Madrid e sido adoptado pelos Tribunais (numa submissa e escandalosa miscelânea de 'convergência de poderes').

Daqui para a frente será anedótico prosseguir na acusação de ‘desvio de fundos públicos’, nomeadamente, para um partido como o PP e um 'Governo central’ - ambos sob a tutela de Mariano Rajoy - absolutamente submersos num mar de corrupção, fraudes e desvios de fundos.

Madrid sofreu uma pesada derrota política e terá de tirar pesadas consequências.

Como está escrito no post acerca da ‘memória histórica’ da guerra civil, todos na dita ‘Espanha’ têm consciência de que as questões políticas não se resolvem com prisões e muito menos com o encostar de cidadãos ao ‘paredón’…

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