ANGOLA: João Lourenço, o enigmático visitante e abracadabra …


A visita do presidente de Angola a Portugal marcou, de facto, a agenda política desta última semana. Trata-se de um importante evento político já que a normalização das relações com esta ex-colónia representa muito. Angola - depois da independência do Brasil – foi, durante largo tempo, a nossa ‘joia da coroa’ (se alguma vez tivemos joias na coroa).

No entanto, esta visita revelou algumas intranquilidades, enigmas e deixou em aberto muitas coisas. A primeira delas será a desmesurada preocupação de que tudo corra bem e não haja sobressaltos. Existiu uma notória preocupação em emprestar a este ato oficial ‘carradas’ de deferências e carrear o visitante nas palminhas das mãos. Na realidade, esta visita ocorre à saída de uma crise relacional (o ‘irritante’) entre Estados que não começa nem acaba com o problema de Manuel Vicente, mas (também) passou por aí.
 
Tudo começou com José Eduardo dos Santos quando, há 5 anos (Outubro de 2013), anunciou o fim da parceria estratégica com Portugal, declarando que “…Só que com Portugal, as coisas não estão bemlink.
As coisas não estavam bem e agravaram-se progressivamente com o desenvolvimento da crise financeira mundial que, por um lado, perturbaram o desempenho de Portugal na Comunidade de Países Lusófonos e, por outro, foram potenciadas em Angola com queda brutal dos preços do petróleo e a consequente falta de liquidez em moeda estrangeira.
 
Este contexto empurrou Angola no caminho da busca de parceiros num contexto mais globalizado abandonando amarras estratégicas sobreviventes ao passado colonial. 
O discurso de posse do atual presidente João Lourenço revelou ao anunciar os parceiros estratégicos para Angola (onde Portugal primava pela exclusão) que a crise permanecia link .
 
A ‘resolução’ do caso Manuel Vicente – independentemente da justeza da decisão de endossar para Luanda o processo de corrupção e branqueamento de capitais - relaxou a crispação das relações bilaterais mas não introduziu modificações, nem abriu novos horizontes para futuras parcerias. Acalmou a tempestade mas não abriu um sol radioso.
 
O contexto económico e financeiro angolano não se move nos estritos limites de uma questiúncula judicial (já ultrapassada) muito embora a atual administração de Luanda dê marcada enfase ao combate à corrupção.
Na questão dos petróleos Portugal tem uma posição absolutamente marginal e na diversificação de economia (bandeira assumida por João Lourenço) ao nosso País parece estar reservado um papel absolutamente secundário. Esta diversificação passa pela reabilitação do sector agroalimentar, das indústrias transformadoras e dos serviços que uma prolongada guerra civil enfraqueceu e, em alguns casos, destruiu.
Das culturas tradicionais que vêm dos tempos coloniais (café, sisal e algodão) existirão problemas na sua reativação (reposição) mecanicista, decorrentes quer das condições sociais do fator trabalho e ainda dos problemas inerentes aos mercados internacionais de commodities.
 
Cabe aqui relembrar que Portugal não pode pretender reeditar a histórica epopeia e as difíceis (desumanas) circunstâncias da colonização do planalto centro/sul de Angola (Benguela/Huambo/Huila) que teve lugar nos finais do seculo XIX, tendo como centralidade Sá da Bandeira (atual Lubango). Na altura, vigorava o ‘Pacto Colonial’ e as condições políticas e sociais eram radicalmente diferentes, isto é, eram outros tempos.
 
Hoje, os desafios são outros. Angola está apostada no desenvolvimento económico assente numa rede empresarial de produção interna e pretende reduzir a submissão às importações que delapidam as (voláteis) receitas da exploração petrolífera.
Portugal, por outro lado, está apostado na captação de investimento e no incremento das exportações que equilibrem a balança de pagamentos e reduzam a dívida soberana.
 
A concertação destes interesses basilares é muito difícil. Sectores essenciais como o agroalimentar, o florestal, a pecuária, o calçado e os têxteis são necessários para a diversificação económica angolana e atrativos para o negócio mas em todos estes terrenos existe uma forte concorrência internacional que Angola mostra estar apostada em captar. As viagens prévias de João Lourenço pela Europa e pela Ásia demonstram isso. Não vale a pena alimentar ilusões.
 
Já no sector terciário (educação, saúde, transportes, etc.), no comércio, no turismo e em algumas áreas das infraestruturas, as relações entre os dois países poderão potenciar outras (melhores) oportunidades a que não será estranha a partilha de um longo percurso histórico e a língua comum. No meio de tudo podemos encaixar a inovação tecnológica - necessária para o desenvolvimento angolano - mas sendo muito volátil, tem características próprias.
 
Será preciso conter desvarios otimistas e não embarcar em idílicos sonhos. O país está a receber – e bem - o presidente João Lourenço, com dignidade e respeito institucional.
Não será necessário, nem prestigiante, transportá-lo, ao colo à mistura com alguns excessos de zelo na esperança de uma palavra-passe mágica (do tipo abracadabra).
 
Perpassa para os cidadãos um enigma. Na verdade sente-se que políticos gostariam de ouvir uma frase - que dificilmente será pronunciada: “Portugal vai voltar a ser um parceiro estratégico de Angola!”…

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