ESBOÇO PARA UMA ESPÉCIE DE RETRATO DE PUTIN

Por Onofre Varela

Serguei Medvedev é um professor, jornalista, ensaísta e escritor russo que vive exilado em Praga desde antes da invasão da Ucrânia pela Rússia. Foi professor na Escola de Economia em Moscovo e desempenhou funções no Instituto Finlandês de Relações Internacionais, em Helsínquia. É autor de vários livros, de entre os quais se contam “O Regresso do Leviatã Russo” com edição portuguesa pela Editora Relógio D’Água em 2022; e “A War made in Russie” com edições em Inglês e Francês

A sua posição contra a política de Putin valeu-lhe uma ordem de prisão de Moscovo, podendo ter de cumprir uma pena de dez ou 20 anos se entrar no território russo, por estar acusado de “difamação contra o exército”. Daí o seu exílio voluntário, desde então, na capital da República Checa.

Em entrevista dada ao jornal espanhol El País (publicada na edição de 12 de Maio de 2025) o jornalista Óscar Gutiérrez perguntou-lhe se compreende os motivos da invasão da Ucrânia, após terem passado três anos desde a entrada dos tanques russos em território ucraniano.

Na sua resposta, Serguei Medvedev fez um retrato psicológico, não só de Putin, mas do povo russo, começando por dizer que, entretanto, aprendeu mais sobre a Rússia do que sobre Vladimir Putin. Para si, os motivos de Putin não são novos: são os mesmos de há três, cinco ou 15 anos.

Serguei confessa ter aprendido como a Rússia aceitou facilmente esta guerra, como a normalizou e como está disposta a viver com ela. “As pessoas aceitam esta guerra como uma continuação da Segunda Guerra Mundial de há 80 anos, crendo que a Rússia está de novo em guerra com o mundo e com o ocidente, lutando contra o Fascismo”.

É também esse o pensamento de Putin quando se refere à desintegração da União Soviética como a maior catástrofe geopolítica do século XX. Os motivos são evidentes: “a Rússia é um império doente, decadente e em decomposição, mas não quer aceitar o seu fim. O colapso da Rússia [não é territorial] é mental”.

Muitos impérios passaram por isso, “como Espanha, Reino Unido ou França. É a perda de um grande império de mais de 100 anos. O império russo foi derrubado, primeiramente, em 1917, e depois em 1991 com as reformas de Gorbatchov… mas ainda existe”!

Os russos creem que a Rússia “é um um grande país, com um grande passado e uma grande nação: a grande civilização euroasiática. As pessoas de hoje cresceram com esta nostalgia imperial”.

Há quem pense que, nestes pouco mais de 30 anos desde Gorbatchov, o país se tinha normalizado e orientado o comércio… mas não. “O país e a classe política estão tomados pelo ressentimento e pela nostalgia. A guerra da Ucrânia faz parte disto e as pessoas aceitam-na porque não vêem a Ucrânia como uma nação independente, mas sim como uma parte da Rússia que as atraiçoou”.

Este conflito não é, só, a guerra de Putin… é, também, a guerra da Rússia. Há um país por detrás de Putin que apoiou esta guerra e beneficia dela. Há vozes dissidentes, mas são muito poucas, muito limitadas e facilmente punidas.

Pode fazer-se um paralelismo com a Alemanha da Segunda Guerra Mundial, que não foi a guerra de Hitler… foi a guerra da Alemanha. O próprio Putin é um produto da Rússia, como um dos momentos culminantes da história daquele imenso país. Não é por acaso que ele está no Kremlin, que governa e que ameaça o mundo… ele é uma espécie de desenvolvimento natural da história russa.

O período posterior à URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), a breve etapa de Democracia que então aconteceu foi, provavelmente, uma excepção, uma janela de oportunidade que logo se fechou. “A mudança nunca foi completa. A Rússia nunca se transformou realmente. É uma desilusão. Tínhamos demasiadas ilusões nos anos 90, pensávamos que o mundo tinha mudado, que não haveria mais guerra, que não haveria um grande Ocidente em expansão. Tínhamos a ilusão de o comunismo ter terminado… mas enganamo-nos… o comunismo terminou, mas as elites permaneceram no seu lugar. Privatizaram os seus activos, mas quem tomou a chefia do país foram as mesmas pessoas que governaram a URSS”.

Havia uma pequena capa de democratas como Gorbatchov ou Andrei Sakharov, o famoso dissidente. Boris Yeltsin fazia parte da velha elite e transformou o poder da nova era. A KGB transformou-se em FSB… uma transformação de fachada, a qual também passou pelo exército e por todo o aparelho administrativo para continuar tudo como sempre foi.

Guerra na Ucrânia sem Putin?

Na sequência da entrevista o jornalista perguntou a Serguei Medvedev: “Será que a guerra na Ucrânia pode continuar sem Putin?”. A resposta não é líquida nem se afigura fácil. “Se Putin morrer de repente… se o matarem, ou se houver um golpe de Estado, não haverá uma transição imediata nem facilitada. O poder está nas mãos de quem beneficia da guerra. Esta guerra nunca terminará de um dia para o outro… dirão que não se alcançaram os objectivos e que a Rússia nunca será derrotada”.

Muita gente pensa que Putin está louco ao querer assumir-se “imperador fora do tempo dos impérios”. Mas Serguei Medvedev pensa que não… que Putin é bastante racional na sua forma de pensar. Pode parecer louco aos estrangeiros pelo facto de ir além das normas, desrespeitando tudo quanto está estabelecido nas leis entre Estados. Enquanto chefe de estado foi o primeiro a demonstrar que se pode transgredir sem se ser castigado. A Rússia invadiu a Geórgia em 2008 e não se passou nada. Anexou a Crimeia em 2014 e nada se passou. Putin é muito racional, calculador e suficientemente inteligente para construir todo um sistema político russo em torno de si, aproveitando-se de toda a esfera política russa, infundindo medo na elite para a poder controlar como quer.

(E em Israel Netanyahu segue-lhe as pisadas, eliminando o povo palestino numa verdadeira limpeza étnica – um genocídio – como já foi reconhecido pela Amnistia Internacional em Dezembro de 2024, perante a inactividade de todo o mundo [que cada vez tem mais países governados por extremistas desrespeitadores dos Direitos Humanos Universais] e atacando o seu país vizinho, o Irão).

“Na Rússia não há opinião pública, nem mentalidade pública. É uma massa de gente disposta a aceitar tudo quanto a propaganda de Estado lhe diz”. A única pessoa que se apresentava como uma séria ameaça para Putin, era Navalni… mas foi preso por Putin e assassinado na cadeia. “A Rússia, hoje, é o mesmo estado colonial de há 400 anos. A sociedade continua reprimida como na época de Ivan, o Terrível, Pedro o Grande, Nicolau I e Lenine… e sente medo da autoridade emanada do Kremlin”.


                                                                                                                          Caricatura de Putin, ano de 2022


Pelo meio desta prosa escrevo que se pode fazer “um paralelismo com a Alemanha da Segunda Guerra Mundial, que não foi a guerra de Hitler… mas que foi a guerra da Alemanha”. Continuando nesse paralelismo, obrigo-me a lembrar que a Alemanha perdeu a guerra!…

Na invasão da Ucrânia eu espero a derrota da Rússia (por muito difícil que ela possa ser ou parecer), para bem da Humanidade e da Justiça. Só com a derrota do imperialismo do ditador Putin se conseguirá a Paz. Se não houver Justiça depois da guerra, restituindo à Ucrânia as terras tomadas pelo exército russo, nunca a Paz será alcançada. O ditador Putin tem de ser vencido, preso, julgado e condenado. Não pode haver perdão para quem invade um país vizinho matando e destruindo, e que encerra jornais, prende jornalistas e promove a aniquilação dos seus adversários políticos.

Defender a Paz não é retórica político-partidária como por aí tenho ouvido, de quem apregoa uma “paz-mentirosa”. Defender a Paz passa por fazer guerra ao invasor, e é obrigatório vencê-lo… por isso, o invadido tem de ser ajudado por todo o mundo que se considere verdadeiramente livre e amante da Justiça. Se assim não for, se o invadido tiver de se submeter ao invasor… a Paz nunca existirá e, pelo mau exemplo, é todo o mundo quem perde... não é só a Ucrânia nem os ucranianos: também sou eu e tu!

Putin (bem como Netanyahu), à luz do Humanismo que eu defendo, tem de ser preso e julgado pelos males que provocou. Não acontecendo um desfecho assim em ambos os casos… o mundo nunca passará de um péssimo lugar para se viver, e será bem mais asqueroso do que aquilo que, até agora, me parece ser… com Trump no palco da política internacional, o asco a que ele me obriga sentir pela sua figura e pelo seu discurso, é o meu antídoto para este vírus que infesta o mundo, que se estendeu à Europa e que tem assento no Parlamento Português!…

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