Espanha – O rei Don Juan e o início da anómala dinastia nascida no seio da ditadura
Faz hoje 8 anos que o primeiro-ministro de Espanha, Mariano Rajoy, recebeu a carta de resignação de Juan Carlos, rei de Espanha por alegada graça de Deus e pela irrefutável vontade do ditador Francisco Franco
O rei de Espanha, Don Juan Carlos, teve algumas semelhanças
com o mito homónimo, e são maiores as diferenças. Apesar de sedutor, não inspirou
tantas obras, da literatura à pintura e à música, como o autêntico D. Juan,
aquele que Lord Byron imortalizou na versão épica. Terá eventuais semelhanças
na educação católica repressiva com que o grande poeta perpetuou o mito, mas
faltou-lhe fôlego para tantas aventuras.
Uma princesa alemã divorciada, em excelente estado de
conservação, não fez do rei de Espanha um émulo do D. Juan, que inspirou Balzac
no conto em que o apresenta como sedutor, bígamo e boémio. Uma caçada no
Botsuana não faz de ninguém boémio, e uma escapadela matrimonial não foi motivo
de inspiração para óperas e romances. A caça de animais em extinção inspirou
notícias na comunicação social, mas nunca a atenção de um Mozart para compor
uma ópera.
D. Juan foi uma herança deixada a Espanha pelo genocida
Francisco Franco, na crença de que perpetuaria a ditadura, e, na
impossibilidade de ser fiel à amantíssima esposa, ser discreto para não vexar a
senhora. A biografia de Don Juan Carlos não o remete para a literatura, apenas
traz à memória o quadro de Delacroix – o naufrágio de Don Juan.
O anacronismo da monarquia está plasmado em três artigos da
Constituição que dizem que a “pessoa do Rei é inviolável”, sendo omissa em
relação à rainha, “e não está sujeita à responsabilidade”, e que o dinheiro
recebido do Estado «o distribui livremente».
O autêntico D. Juan era o mito. O rei é um genérico. O
verdadeiro não tinha imunidade régia nem precisava de dinheiro. Era
concupiscente, cruel e predador sexual, mas não deixou descendentes. Os gostos
de ambos podem ser semelhantes, mas o poder nunca deve ser vitalício nem
transmissível pela via uterina. Na República um Don Juan é um mero epifenómeno,
na monarquia é um fardo que pode propagar-se por várias gerações.
A renúncia de D. Juan não foi o fim da herança de Franco, foi
o recomeço mais viçoso.
A República é o único regime em que todos os homens nascem iguais em direitos. Viva a República!

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