Montenegro e a SPINUMVIVA — A farsa da transparência

Este parecer jurídico foi deixado pelo próprio no meu mural do Facebook como comentário ao meu post.

 

Herminio Cerqueira

Montenegro e a SPINUMVIVA — A farsa da transparência
A recente tentativa de Luís Montenegro de travar o acesso público às suas últimas declarações de rendimentos entregues à Entidade para a Transparência (EpT) revela uma manobra clara de obstrução e encobrimento. A desculpa da “investigação preventiva” serve apenas para legitimar o arquivamento discreto do caso SPINUMVIVA, evitando o escândalo público e protegendo o primeiro-ministro de um desgaste político e penal irreversível.
A SPINUMVIVA não é apenas uma “empresa de consultoria”; é, no mínimo, um veículo de planeamento fiscal agressivo, usado para transformar rendimentos tributáveis em IRS (honorários) em lucros empresariais sujeitos a IVA. Esta engenharia permite reduzir drasticamente a carga fiscal, deduzir despesas pessoais como se fossem empresariais, adquirir bens e serviços privados e, ainda, pedir o reembolso do IVA. Tudo legal? Talvez na forma, mas imoral e antiética na substância, sobretudo vindo de um responsável máximo do Governo.
Basta uma simples análise às contas da SPINUMVIVA, cruzando os fluxos financeiros, as despesas declaradas e os proveitos registados, para desmontar este esquema. Montenegro mantém a empresa, alegadamente em nome dos filhos, mas retendo controlo e beneficiando economicamente. Isto já seria, por si só, motivo de escrutínio. Pior ainda, existem fortes indícios de que parte das receitas possa resultar de avenças fictícias — contratos sem efetiva prestação de serviços — o que configura corrupção passiva e ativa, um crime grave em qualquer democracia digna desse nome.
A recusa em permitir o acesso público às declarações de rendimentos agrava ainda mais a suspeita: o que há a esconder? Por que motivo um primeiro-ministro, que deveria ser o primeiro a dar o exemplo de transparência, opta pelo secretismo? As declarações substituídas devem ser tornadas públicas de imediato, de modo a verificar se nelas foram inseridos dados falsos ou manipulados. A eventual falsificação ou omissão de rendimentos constitui crime de falsidade e pode levar à perda de mandato e inelegibilidade futura.
Montenegro revela, com este comportamento, um padrão preocupante: a fuga ao escrutínio público, a proteção de interesses privados à custa do interesse nacional, e a tentativa de perpetuar um sistema opaco, baseado no compadrio e na manipulação. Em qualquer Estado de direito sério, um governante nestas condições renunciaria imediatamente ou, no mínimo, suspenderia funções para permitir uma investigação cabal e independente. Mas em Portugal, ao que parece, o crime compensa.
Ao preferir proteger-se e arrastar o país para uma crise política, Montenegro demonstra que coloca o seu próprio futuro e a sua teia de interesses acima da confiança pública e da estabilidade democrática. O caso SPINUMVIVA não pode ser varrido para debaixo do tapete: é um teste decisivo à saúde das nossas instituições, à coragem do Ministério Público e à maturidade da nossa democracia.
Se a transparência é um princípio, deve ser aplicada a todos. Não há exceções. E quem recusa prestar contas não merece governar.
E, como se costuma dizer, quem não deve, não teme.
--- Herminio Cerqueira 30 Junho 2025

Comentários

Albino Manuel disse…
Esse eminente jurista é mestre em que faculdade?

O Professor Vital Moreira eu leio sempre com atenção e respeito. Já o Professor Cerqueira desconheço.
Carlos Antunes disse…
Albino Manuel
Eu também aprecio e respeito bastante o Prof. Vital Moreira, com quem aliás troco ideias no seu blogue “Causa Nossa”.
Não conheço o Dr. Hermínio Cerqueira, mas existem bons juristas/advogados para além dos mestres das Faculdades de Direito.
Se reparar alguns dos argumentos aduzidos pelo Dr. Hermínio Cerqueira são idênticos aos adiantados pelo Prof. Vital Moreira no seu post de 27/06/2025 “O caso Montenegro (12): O que importa saber sobre o “caso Spinumviva”.
VM levanta duas questões que o MP deve averiguar:
“ - um provável caso de abuso da personalidade jurídica coletiva, para efeito de fuga ao fisco (substituição do IRS pelo IRC e reembolso do IVA na aquisição de bens e serviços, incluindo a possibilidade de imputação de despesas pessoais à pseudossociedade), se se mostrar que a tal empresa era um ficção, não tendo qualquer autonomia em relação ao seu fundador;
- um possível caso de recebimento indevido de vantagem, se se mostrar que Montenegro continuou a beneficiar das respetivas avenças e outras receitas, sem correspondente prestação de serviços.”
Ora, HC alinha pelo mesmo diapasão:
“A SPINUMVIVA não é apenas uma “empresa de consultoria”; é, no mínimo, um veículo de planeamento fiscal agressivo, usado para transformar rendimentos tributáveis em IRS (honorários) em lucros empresariais sujeitos a IVA. Esta engenharia permite reduzir drasticamente a carga fiscal, deduzir despesas pessoais como se fossem empresariais, adquirir bens e serviços privados e, ainda, pedir o reembolso do IVA. Tudo legal? Talvez na forma, mas imoral e antiética na substância, sobretudo vindo de um responsável máximo do Governo.
Basta uma simples análise às contas da SPINUMVIVA, cruzando os fluxos financeiros, as despesas declaradas e os proveitos registados, para desmontar este esquema. Montenegro mantém a empresa, alegadamente em nome dos filhos, mas retendo controlo e beneficiando economicamente. Isto já seria, por si só, motivo de escrutínio. Pior ainda, existem fortes indícios de que parte das receitas possa resultar de avenças fictícias — contratos sem efetiva prestação de serviços — o que configura corrupção passiva e ativa, um crime grave em qualquer democracia digna desse nome.”
A diferença é que enquanto VM enquadra a conduta no “crime de recebimento indevido de vantagem”, já HC admite estar-se no domínio dos “crimes de corrupção passiva e activa”.
Cordiais saudações
Carlos Antunes, não faço ideia quem é este leitor. Apenas quis trazer mais uma opinião (parecer jurídico?). Quanto a Vital Moreira, de quem fui condiscípulo no liceu da Guarda, é para mim uma referência intelectual, jurídica e cívica. Não me permitiria comparar um leitor meu do Facebook com o jurista e legislador VM.
Carlos Antunes disse…
Carlos Esperança
A admiração e respeito pelo Prof. Vital Moreira é comum.
Compreendi perfeitamente a razão porque publicou o texto do Hermínio Cerqueira que também não conheço de lado nenhum.
Apenas tentei contradizer o leitor Albino Manuel que desdenhou a publicação do HC realçando que a argumentação deste era coincidente com a do Prof. Vital Moreira.
Cordiais saudações

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