O fascismo policial ainda está vivo em Portugal

Segundo noticia o DN, um casal de namorados foi apanhado em "flagrante delito" pela Polícia Municipal em carícias mais ousadas, que alegadamente incluiriam sexo oral, dentro de um carro em Paredes. A ocorrência terá sido participada pela Polícia Municipal ao Ministério Público, referindo o DN que o casal vai "responder pelo crime de atentado ao pudor".

Ora isto é fascismo policial, que faz lembrar a célebre e divertida postura salazarenta de 1953 da Câmara Municipal de Lisboa.

Destaca-se a habitual ignorância dos jornalistas no que diz respeito a assuntos jurídicos: não existe qualquer crime de "atentado ao pudor" no direito penal português vigente.

Quando muito, poderá estar-se perante o crime previsto e punido pelo Art. 171º do Código Penal (Actos exibicionistas), que prescreve que "quem importunar outra pessoa, praticando perante ela actos de carácter exibicionista, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias". No entanto, neste caso, não estão preenchidos os pressupostos para que este crime se tenha cometido. Não está aqui em causa (como acontecia antes do Código Penal de 1982) uma tutela difusa da moralidade pública: é necessário que o agente actue com dolo, ou seja, com a intenção de perturbar uma vítima específica, sendo ainda necessário que esse acto exibicionista seja adequado a provocar a essa vítima "perigo de que se lhe siga a prática de um acto sexual que ofenda a sua liberdade de autodeterminação sexual" (Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo I, p. 534).

Ora não me digam que os basbaques que estiveram a espreitar para dentro de um carro, onde um casal de namorados se deleitava, teriam quaisquer razões para temer ser sexualmente coagidos. Mesmo que menores de 14 anos estivessem presentes (Art. 172/3 a) Código Penal), seria necessário que o casal de namorados tivesse a consciência da sua presença, o conhecimento da sua idade, e dolo, ou seja, a intenção de praticarem o acto exibicionista perante esse menor em particular, o que dificilmente se perspectiva no caso concreto.

A actuação da polícia só vai causar perdas de tempo ao MP, humilhação desnecessária dos envolvidos, e ressuscitar o obscurantismo policial dos tempos da velha senhora.


Comentários

Adamastor disse…
Sugere-se uma actualização do Código Penal do postador, porquanto as referências feitas são para a versão anterior à Lei 59/2007 :)... A situação narrada poderá cair na previsão do artigo 170.º, do CP, com a epígrafe "Importunação sexual".
Rui Cascao disse…
A observação é pertinente, a consequência é a mesma.
MFerrer disse…
Muito bem Rui Cascão!
Os mais que falsos puritanos que andam a espreitar as breguilhas dos amantes deviam antes ir para casa e catarem-se!
A polícia deve ter mais que fazer!MFerrer

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