A Constituição ‘assaltada’ por espertezas saloias…
O recente acórdão do Tribunal Constitucional que chumbou algumas normas (6) do Código de Trabalho de 2012 link, veio reacender a polémica política nacional e chamar a atenção para o rumo que este Governo pretende inculcar no regime. A situação (cinco 'chumbos em 2 anos!) deixou de ser compaginável com um fortuito acumular de erros involuntários (por amadorismo ou incompetência) revelando, isso sim, um ardiloso e 'estudado' plano de 'mudança de regime'.
Não vamos entrar em análises de índole interpretativa no âmbito constitucional, nem analisar os ‘estados de alma’ das forças partidárias nacionais que vão do coro de indignações da Direita ou, no campo oposto, na satisfação da Esquerda.
Importante é analisar o 'planeado' comportamento político deste Governo que tem relevado uma total 'irresponsabilidade constitucional' esquecendo, no dia a dia, que o seu mandato foi adquirido e está ‘totalmente’ condicionado pela existência de uma Lei Fundamental.
A guerrilha entre um programa neoliberal (que foi ocultado dos portugueses nas Legislativas de 2011) e as medidas que à sorrelfa estão a ser tentadas a qualquer preço sob o manto diáfono da contenção orçamental e cuja execução passa por alterações do modelo do regime visando a introdução de ‘novos’ paradigmas nas áreas política, económico e social, tem sido uma constante.
Grande parte destas manobras aparecem apelidadas como sendo ‘reformas estruturais’ quando na realidade não passam de ‘cortes’ (salariais, de prestações ou orçamentais) e pela anulação (eliminação) de direitos e garantias constitucionalmente protegidos, utilizando para tal um confuso e emaranhado arsenal de malabarismos semânticos decorrentes de uma leitura inquinada do Programa de Assistência Financeira em vigor desde 2011, nas circunstâncias que todos conhecemos.
Quando analisamos casos de inconstitucionalidade – entre os múltiplos que este Governo tem protagonizado – verificamos qual a verdadeira estratégia que está subjacente.
A cadeia de reacções deste Governo perante alguns acórdãos do TC é sobejamente conhecida e previsível: primeiro, a ‘surpresa’; seguida de uma ardilosa contestação política com 'arremedos' jurídicos pelo meio; depois, esparsos argumentos à volta da imperiosa ‘necessidade’ das medidas para o ‘regresso aos mercados’, para a ‘nossa’ imagem no exterior; na passada, ameaças sobre novos e nefastos ‘resgates’ e, uma vez acalmados os ânimos, remata com uma tirada formal: vamos cumprir o acórdão do TC (pudera!) mas colmatar o seu impacto com outras 'medidas de igual valor'. Esta a estrita noção deste Governo quando fala em ‘ajustamento(s)'.
Esta última ilação ('medidas de igual valor') que o Governo usa e abusa é deveras interessante. No caso mais recente que dizem respeito ao Código do Trabalho trata-se latu senso de legislação sobre direitos sociais (laborais) e, portanto, torna-se difícil perceber como será possível proceder a transacções de valores legais sem atropelar o Estado de Direito. Não é com certeza esgrimindo subtilezas semânticas do tipo de substituir critérios objectivos e escalonados sobre despedimentos no caso da extinção do posto de trabalho por veleidades do tipo do ‘relevante e não discriminatório…’.
Há muito pouco tempo tinha tentado um malabarismo de igual ‘gabarito’ quando resolveu crismar os despedimentos (arbitrários) na Função Pública de ‘requalificação’ e, mais uma vez, esbarrou com o Tribunal Constitucional. Trata-se de um Governo que mostra uma confrangedora incapacidade de aprendizagem e, no plano político, manifesta uma continuada intenção de, através de subterfúgios semânticos ideologicamente construídos, ‘rasgar’ disposições constitucionais.
Ainda sem decisão do TC estão os anunciados cortes nos aposentados da CGA que foram, mais uma vez, apresentados aos portugueses como sendo uma putativa ‘Reforma do Estado’.
No passado (em 2012) tentou cortar duas prestações (subsídios de Natal e Férias) a estes portugueses, a medida foi rejeitada mas conseguiu escapar às consequências. Este ano (2013) voltou à carga tentando cortar um subsídio e novamente esta pretensão foi recusada pelo TC e resolveu - em jeito de vingança - pagá-la às prestações. Para o ano (2014) vai tentar, sob o subterfúgio de um corte transversal de 10%, conseguir uma ‘medida de igual valor’ às sucessivamente rejeitadas que, no caso vertente e fazendo contas grosseiras, representa efectivamente uma redução (subtracção/confisco) anual, para os aposentados da CGA, de uma prestação e meia.
Um Governo imbuído de uma intolerável e cansativa ‘esperteza saloia’.
Comentários