Palavras que morrem à míngua de quem as use

As imagem impõem-se às palavras e escasseia vontade para sacudir o pó aos arcaísmos e retirar das páginas dos dicionários os vocábulos que o tempo se encarregou de arrumar como imprestáveis. As palavras morrem quando os que as deviam cuidar, por moleza, tédio ou inópia, trocam a riqueza cromática e os tons variegados, que exornam a língua portuguesa, pela frugalidade léxica que guarnece as reportagens.

Tortura a frequência com que o adjetivo “complicado”, variando em género e número,  passou a qualificar os incêndios, o défice, a vida das pessoas, o orçamento de Estado, o estado do país e os factos avulsos que desfilam pelos telejornais e imprensa escrita. Os incêndios que têm assolado o país, cremado pessoas e afligido povoações cercadas, são inexoravelmente designados como “complicados”. Não há labaredas dantescas, fogos infernais, dramas, coisas dolorosas, momentos dilacerantes, futuros pungentes ou vidas sem futuro, há, seja qual for a conjuntura, situações “complicadas”.

Penso como se tornou inútil Camilo, o «espantoso novelista», como o definiu Unamuno, o escritor que deu vida a tantas palavras que dariam um dicionário. Quando Augusto Abelaira escreveu «A Palavra é de Oiro» havia afogos que impediam o uso de palavras, de certas palavras, e, daí, a metáfora do país imaginário onde eram tributadas, como são hoje os proventos do trabalho ou as pensões de velhice.

Um povo que não cuida da sua própria língua, que se contenta com algumas centenas de palavras, tão parco nelas como o anacoreta em vitualhas, delapida o património herdado e larga-o à mercê do flagelo do tempo como mato deixado à voracidade dos incêndios.

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