Espanha, aqui tão perto
A Comunidade Autónoma de Madrid, feudo tradicional do Partido Popular (PP), é pela vastidão demográfica, importância económica, social e política, um dos mais apetecidos lugares da política espanhola. A sua presidência é um lugar de poder, e a possível rampa de lançamento para a liderança de um partido e do Governo.
A crise em que ora se encontra mergulhada vai alterar a geografia partidária espanhola, depois de o PP ter sobrevivido à decadência ética que, desde Aznar, não mais parou de acentuar-se. Madrid ainda resiste, nas suas diversas instituições, como um sólido reduto franquista, fruto da transição pacífica para a democracia, onde a prudência e o medo não erradicaram os germes da ditadura nem desalojaram os herdeiros do franquismo.
Na política, na economia, nas finanças e na Igreja, os rostos do fascismo e do Opus Dei nunca deixaram de estar presentes. O cardeal jubilado, Rouco Varela, foi o protótipo do franquismo, nos costumes, na política, no clericalismo e no ódio antidemocrático.
Atualmente, a presidente Cristina Cifuentes era a estrela fulgente do PP, em imparável carreira política. A exibição de um mestrado falsificado empalideceu-lhe o fulgor, mas parecia que a multiplicação de escândalos do PP facilmente diluiria mais um. Foi, no entanto, a divulgação de um vídeo de 2011, em que a política-vedeta foi apanhada, por roubar duas bisnagas de creme num supermercado, que destruíram definitivamente a reputação da líder da Comunidade de Madrid, arrastando o PP e o próprio Rajoy que a quis proteger na lama que a todos salpicava.
Estes são os factos que alegram adversários e fazem as delícias da comunicação social, mas, para além de a mediática e promissora política se ter transformado numa metáfora do estado a que chegou o seu partido e da falta de filtros que impeçam pessoas destas de alcançar lugares de topo, restam inquietantes perguntas omissas na excitação com que o caso foi justamente explorado.
Como foi possível guardar um vídeo de 2011 para a chantagem e o assassínio político? Como é possível conformarmo-nos com a violação da privacidade individual a que, até os mais perigosos criminosos, todos temos direito?
Quem passou a vida a combater delatores e chantagistas amorais, não pode consentir em atos de pornografia informativa, em miseráveis crimes eticamente tão reprováveis como os que, por essa via, são denunciados.
Não é um preconceito moralista, é uma questão de salubridade pública que nos exige a condenação veemente da divulgação do referido vídeo. Podemos não ter conhecimentos jurídicos para justificar a ilicitude da conduta, mas devemos ter formação cívica para a repudiar sete anos de ignóbil espera para concretizar uma vingança.
A crise em que ora se encontra mergulhada vai alterar a geografia partidária espanhola, depois de o PP ter sobrevivido à decadência ética que, desde Aznar, não mais parou de acentuar-se. Madrid ainda resiste, nas suas diversas instituições, como um sólido reduto franquista, fruto da transição pacífica para a democracia, onde a prudência e o medo não erradicaram os germes da ditadura nem desalojaram os herdeiros do franquismo.
Na política, na economia, nas finanças e na Igreja, os rostos do fascismo e do Opus Dei nunca deixaram de estar presentes. O cardeal jubilado, Rouco Varela, foi o protótipo do franquismo, nos costumes, na política, no clericalismo e no ódio antidemocrático.
Atualmente, a presidente Cristina Cifuentes era a estrela fulgente do PP, em imparável carreira política. A exibição de um mestrado falsificado empalideceu-lhe o fulgor, mas parecia que a multiplicação de escândalos do PP facilmente diluiria mais um. Foi, no entanto, a divulgação de um vídeo de 2011, em que a política-vedeta foi apanhada, por roubar duas bisnagas de creme num supermercado, que destruíram definitivamente a reputação da líder da Comunidade de Madrid, arrastando o PP e o próprio Rajoy que a quis proteger na lama que a todos salpicava.
Estes são os factos que alegram adversários e fazem as delícias da comunicação social, mas, para além de a mediática e promissora política se ter transformado numa metáfora do estado a que chegou o seu partido e da falta de filtros que impeçam pessoas destas de alcançar lugares de topo, restam inquietantes perguntas omissas na excitação com que o caso foi justamente explorado.
Como foi possível guardar um vídeo de 2011 para a chantagem e o assassínio político? Como é possível conformarmo-nos com a violação da privacidade individual a que, até os mais perigosos criminosos, todos temos direito?
Quem passou a vida a combater delatores e chantagistas amorais, não pode consentir em atos de pornografia informativa, em miseráveis crimes eticamente tão reprováveis como os que, por essa via, são denunciados.
Não é um preconceito moralista, é uma questão de salubridade pública que nos exige a condenação veemente da divulgação do referido vídeo. Podemos não ter conhecimentos jurídicos para justificar a ilicitude da conduta, mas devemos ter formação cívica para a repudiar sete anos de ignóbil espera para concretizar uma vingança.
Comentários
O diário digital só foi fundado em 2015. Portanto, não tinha o vídeo (captado em 2011) em arquivo. Alguém lho fez chegar (com o pedido de publicação). A 'proteção das fontes' manterá o assunto no obscuro silencio dos deuses.
Todavia, as conjecturas não podem ser contidas e os serviços de informação conhecerão o percurso do vídeo. Aí o silencio tem uma outra conexão: é prudencial.
Mas tudo isto parece indiciar que há um ajuste de contas (político) em curso. Envolvendo os vários vetores da Direita espanhola. O que começou pela denuncia de um falso mestrado, passa depois por um roubo em supermercado e termina abruptamente antes que se conheçam outros percalços.
Não é uma questão ética, jurídica ou de Estado de Direito. É uma operação de vindicta em curso, do tipo mafioso, envolvendo alguns dos sectores partidários da Direita.
Mas do chorrilho de perguntas que se podem colocar à volta deste incidente (destacam-se, por exemplo):
- O que poderá surgir a seguir será novos dados relacionados com a chamada 'trama Gurtel' (nunca cabalmente esclarecida)?;
- Ou Rajoy será forçado a convocar eleições antes do termo da legislatura?;
- E, finalmente, no 'estado atual do reino dos Bourbons' quem beneficia com a antecipação de eleições?.