ALERTA AMARELO, com ou sem coletes (de salvação)…


As manifestações dos ‘coletes amarelos’ em Portugal tiveram uma expressão reduzida e foram um manifesto fracasso link.
 
Independentemente do leitmotiv que levou um grupo de cidadãos a convocar uma manifestação para expressar o descontentamento (salário mínimo, corrupção e impostos) e que acabou por não se materializar em termos de expressão popular, o balanço residual é a existência de uma ‘larvar insatisfação com a política nacional’ que, em larga medida, é endereçada às forças partidárias e sociais (sindicatos e associações) no terreno, mas que na sua origem terá causas múltiplas e de alguma complexidade (que não cabem numa imagem de whatsapp e nas curtas mensagens das redes sociais que estiveram na origem das malogradas manifestações).
 
Não tirar ilações desta ocorrência cívica e desvalorizá-la - reduzindo-a - à volta de eventuais conotações de repúdio para com uma Extrema-Direita caceteira e sociologicamente residual, saudosista de um anacrónico salazarismo e, até aqui, ‘envergonhada’, é 'tomar a árvore pela floresta', isto é, observá-la isoladamente ou como um fenómeno acidental e passageiro, poderá ser um tremendo erro (político).
 
Ignorar que o cerne da insatisfação para além de mecanismos fiscais e administrativos que se relacionam com a redistribuição da riqueza (de que o salário mínimo e os impostos são instrumentos visíveis mas não únicos) e do esforço de extorsão sobre uma classe média exaurida pela ‘crise’, foi – e possivelmente continuará a ser – uma primeira expressão pública de repúdio popular para com a ‘onda de corrupção’ que, diariamente, abre e invade os noticiários nacionais.
 
Não tendo sido uma jornada de luta marcante, nem determinante, o importante será ‘não deixar correr o marfim’. Na realidade, o descontentamento está a germinar e provavelmente não teve uma expressão massiva porque as condições objetivas políticas e sociais não estão reunidas, ou amadurecidas.
Das inúmeras e desconexas palavras de ordem (consequência da sua ‘inorganicidade’) existe uma importante lacuna: passam ao lado dos aspetos relativos à situação laboral link o que em termos de ‘manifesto’ representam muito e denunciam o 'caldo classista' que poderá estar na sua base. 
 
Há, contudo, um aspeto que os manifestantes não se podem queixar – a abundante cobertura dos meios de comunicação social. Todos nós já observamos outras manifestações - por exemplo as patrocinadas pelas centrais sindicais - que envolveram muito mais cidadãos e não mereceram um milésimo do tempo de antena. Para além da ‘novidade’ que influencia a notícia deveremos inquirir que outros fatores poderão estar por detrás do ‘massacre informativo’.
 
O movimento inorgânico que alimentou estas manifestações revelou uma incapacidade em abordar – e capitalizar - os mecanismos políticos e sociais que estão por detrás da situação. Ficou-se por reivindicações avulsas na tentativa de agregar muita gente. Para além de inorgânico o movimento contestatário revelou pouca maturidade e muita ingenuidade. Já ninguém corre atrás de foguetes.
 
O período referente à última crise que se iniciou em 2007/8 e, em larga medida, ainda persiste (e será a causa remota desta iniciativa) mantendo inalteradas as ‘inconformidades’ de gestão e de regulação do sector financeiro e bancário que possibilitaram todo o tipo de corrupções (abundantemente denunciadas pelos ‘coletes amarelos), determinam sucessivas crises e condicionamentos orçamentais em que a riqueza criada passou a ser destinada maioritariamente para tapar buracos decorrentes de uma desregulada financeirização, lesando, em última análise, uma equitativa e justa redistribuição de rendimentos. Não é a baixa do IVA ou a subida do Salário Mínimo Nacional que corrigem os vícios do sistema.
 
Como já foi referido em post anterior seria crucial entender como – de acordo com as regras mercantilistas da UE ditadas pela Direita europeia – pode-se conseguir um conjunto de mudanças, em princípio justas, sem ‘explodir’ orçamentalmente, isto é, sem o descontrolo das contas públicas. Na verdade, tudo passa pela renegociação da dívida soberana, pelo incremento do investimento público e privado e, ainda, pelo aumento da produção nacional, situações que a Direita nacional (e europeia) acha inconciliáveis.
 
Para dar exemplos concretos torna-se difícil de entender como – p. exª. - no OE 2019 existem cerca de 400 M€ para ‘entregar’ ao Novo Banco  link e ‘só’ 50 M€ para aumentos na função pública link (cujos vencimentos estão congelados há 9 anos). A 'resolução passiana' do BES, transformou-se num 'resgate insuportável' a somar aos do BPN, BPP, BANIF, etc.
 
A política fiscal e económica supervisionada (imposta) por Bruxelas está a criar um desconforto major entre os cidadãos europeus. É isso que vai fazendo perigar os sistemas democráticos por essa Europa fora. E nesta lengalenga pseudo estabilizadora ficou abafada (esquecida) a renegociação da dívida– ou se quisermos um novo escalonamento dos pagamentos -  que nos daria uma folga para melhorar salários e fazer inadiáveis investimentos no sector público (em pré-colapso).
Tal ‘solução de alívio’ é torpedeada pelo pagamento antecipado da dívida contraída junto ao FMI o que sendo propagandeado como uma credibilidade política não passará de um 'malabarismo financeiro' que penaliza a capacidade negocial para aliviar o serviço da dívida na sua globalidade.
Precisamos de renegociar a dívida, não por sermos 'caloteiros' (como a Direita então no Poder invectivou), mas porque precisamos de Desenvolver o País. Tão simples como isto e tão taxado como inconveniente (de modo a não ser inteligível para todos - só para alguns).
Sobre esta fulcral questão os 'coletes amarelos' exibiram uma olímpica indiferença, ficando pelos epifenómenos, i. e. a 'espuma das coisas'.
 
Por outro lado, o total de investimento público programado para 2019 (pouco mais do que 4.000 M€ link) representa cerca de metade do esforço financeiro que o serviço da dívida terá de despender no mesmo período.
 
O caminho que está a ser percorrido é a justificação remota para o ‘levantamento’ dos coletes amarelos, embora não politicamente trabalhada. O fracasso desta primeira iniciativa não significa o enterro dos protestos. A não ser que haja uma inflexão políticas, ou melhor, de 'políticas'…
 
Porque não podemos ignorar que as soluções populistas que vemos por toda a Europa começam por manifestações inorgânicas semelhantes, ou parecidas, e acabaram na tomada do poder, por via eleitoral, de inauditos populistas, nacionalistas inveterados, um velho disfarce da Extrema-Direita autoritária, agora, modernizado.
 
Assim, para toda a barafunda inorgânica que foi possível observar no dia de ontem, continua a ser viável que amanhã surja uma resposta mais orgânica, neste momento manifestamente embrionária, que assumindo laivos populistas, venha a tentar assaltar o poder e, a partir desse momento, adquirir um estatuto ‘orgânico’ para governar 'à sua moda’: espezinhando os direitos, liberdades e garantias.
 
Isto é, apesar do monumental fracasso da manifestação dos ‘coletes amarelos’ todos pressentimos que algo tem de mudar se quisermos salvaguardar bens inestimáveis, como o Progresso, a Paz Social e a Democracia. Os 'coletes amarelos' foram um alerta. Só isso!

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