Vamos ter saudades dos EUA

Não há impérios eternos nem paz definitiva e, no ocaso do maior império da História, abreviado pela inépcia de Trump, a desconfiança no mitómano ignorante e a ausência de uma estratégia global, longe de tranquilizar o mundo, aumenta os receios da guerra e da insegurança a nível universal.

É surpreendente que os países europeus, a gozarem o mais longo período de paz da sua história, a maior prosperidade de todos os tempos, um aumento notável da esperança de vida, o estabelecimento de democracias, a fruição dos direitos humanos e a progressiva igualdade de sexos, recusem os valores humanistas que moldaram a sua identidade. A democracia está em perigo. Kaczynnski (Polónia), Orban (Hungria), Le Pen (França), Hofer (Aústria), Salvini (Itália), Farage (Reino Unido), Petry (Alemanha) e a erupção nacionalista em diversos outros países, não são meros sintomas, são sinais evidentes da enfermidade que atingiu o Continente.
 
Há quem veja na emergência da provável e próxima superpotência, a China, a vingança contra o carácter belicista de presidentes americanos e a odiada hegemonia desse país, como se a China respeitasse as liberdades e os direitos humanos.

Os EUA, apesar dos defeitos imperiais, dos erros e violência provocados por interesses do complexo militar-industrial, eram o referencial de estabilidade que o resto do mundo podia prever. A Constituição reflete os valores do Iluminismo levados pelos fundadores, fugidos aos conflitos religiosos e imbuídos de ideais laicos e republicanos da Revolução Francesa.

A chegada de Trump, empreiteiro que substituiu os políticos, com homens de negócios, sem visão nem cultura, abriu a caixa de Pandora e acrescentou aos ditadores que já existiam outros que a sua vitória fez germinar, sobretudo na américa latina. Já bastavam Xi Jinping, Erdogan e Putin, entre os poderosos, ou Duterte e os biltres das teocracias fascistas islâmicas.  Bolsonaro, ainda sem ter tomado posse, é o último réptil saído da incubadora do fascismo. Quem terá conseguido dominar as redes sociais e financiar a campanha de um político boçal, de inteligência rudimentar e abrutalhado, sem projeto nem ideias, e transformá-lo no PR do maior país da América do Sul?

Por muito paradoxal que pareça, o eixo EUA/UE era o santuário da herança iluminista. O que aí vem é a repetição do filme de terror da terceira década do século passado, com outros atores e novos valores, incompatíveis com a civilização que escreveu os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por mais que alguns se horrorizem, é fácil prever que vamos ter saudades do que eram os EUA, antes de surgir Trump, o mais poderoso avatar de Kim Jong-un. E há quem esteja ansioso pela transferência do poder dos EUA para a China!

Mas é da Europa, desta Europa que, desde há 44 anos ,começa aqui em Portugal, que vamos sentir a falta e, sobretudo, suportar a perversão, em curso, dos valores civilizacionais.

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