Os crimes vistos por um ignorante em questões de futebol

Há um delinquente, agora sob prisão, à espera de extradição da Hungria para Portugal para responder por crimes informáticos. É um jovem, português, ligado a um caso de desvio de dinheiro de um banco e a uma tentativa de extorsão a um fundo de investimento.

Ultimamente, segundo li, dedicou-se a violar os computadores dos grandes clubes de futebol e a despejar na sarjeta da comunicação social os conteúdos de um mundo que tem permanecido na máxima impunidade e, ao que se julga, repleto de corrupção e crimes financeiros e fiscais.

Até aqui “nada há de novo debaixo do sol”, como dizia Eclesíastes, filho de David, rei de Israel. Novo, absolutamente novo, é o pendor autóctone para pactuar com os crimes, sobretudo por não lhe serem conhecidas ligações partidárias. Um assaltante e violador de correspondência, que não pertença a um partido político, que se possa combater, é um benfeitor que põe a nu práticas desonestas nos clubes de futebol.

O hacker de Vila Nova de Gaia garante que o furto de informação aos grandes clubes foi feito “ao serviço do interesse público”. Que o delinquente use tal argumento, compreende-se. Que pessoas de elevado nível intelectual e cultural o defendam, só revela o relativismo moral de quem assim procede.

Assaltar um banco com máscara e uma pistola de alarme é um crime grave. Assaltar o mesmo banco, de cara descoberta, atrás de um computador, é um ato de inteligência, merecedor de consideração social.

Entrar no sistema informático de um clube de futebol, violar a sua correspondência, e pô-la ao serviço das lutas entre clubes rivais, revela um herói ou um criminoso, consoante o clube de quem emite a opinião.

A indulgência para os crimes informáticos não revela apenas o maniqueísmo e falta de pudor de pessoas cuja personalidade carece de melhor formação, põe em causa a formação ética da sociedade, que não vê na violação da privacidade um crime, talvez por não ter memória das violações da correspondência pela Pide nem das escutas telefónicas.

Comentários

e-pá! disse…
O 'cibercrime por vazamento' não deixando de ser um crime informático levanta problemas quando ao método, finalidades e atualidade.
Não podemos considerar como bons os 'Panama Papers' e péssimos os vazamentos conhecidos por 'Futebol Leaks', quando não existe em termos éticos essa dualidade.
Na realidade, ambas as versões incidem sobre questões do mesmo âmbito: corrupção.

A questão da salvaguarda da confidencialidade (inviolabilidade) da correspondência, o que tem sido considerado um direito individual, não pode sofrer 'entorses constantes' e ser exigida só em determinadas circunstâncias ou momentos.

De facto, o correio eletrónico não está protegido a nível global. Todos sabemos que a National Security Agency (NSA) grava todos os e-mails que circulam no ciberespaço. Ora, se a maior potencia mundial detém esse 'privilégio' (um eufemismo na designação) e dá-lhe a utilização que acha 'conveniente', porque razão se continua a julgar que vivemos num Mundo onde impera a proteção de dados e - seletivamente - se penaliza a sua violação?

Será que ainda não interiorzamos a sociedade do 'Big Brother' e andamos a fazer manobras de diversão?

Na verdade, o Artº 34 - 1. da CRP consagra o 'sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação individual' mas, na prática, trata-se de uma proclamação que perdeu adesão à realidade dos factos.
O Mundo está cada vez mais inseguro e o 'big brother', que se disseminou, poderá transformar-se numa nova forma de censura, da 'era informática'...

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