O novo Governo, as precipitações e as armadilhas da ‘geometria variável’…


Foi anunciada a composição do XXII Governo Constitucional link. Ainda não tinha assentado a poeira levantada pela campanha eleitoral – nem sequer encerrada a contagem dos votos da Europa e Fora da Europa – já a Direita encetava um rol de críticas à sua composição antevendo catastróficos desempenhos, mesmo antes da apresentação do ‘programa de Governo’ que, como sabemos, poderá não ser coincidente com o debate - havido e o que ficou por realizar - durante a campanha eleitoral.
 
Existiu, portanto, uma inusitada ‘pressa’ de avaliar e criticar o novo elenco como, aliás, já tinha existido uma anterior precipitação da parte do PR em forçar a indigitação do primeiro-ministro, antes da contagem final dos votos, com a justificação do Brexit, como se o anterior governo não continuasse em funções até à posse do novo.
 
O novo Governo será uma leitura do primeiro-ministro indigitado, António Costa, relativa ao acto eleitoral ocorrido a 6 de Outubro. Nessa leitura está, com certeza, incluída a nova composição da AR, a ‘geometria variável’ defendida para a obtenção de maiorias, o estilhaçar da ‘geringonça’ (tal como existiu na anterior legislatura), o ´reforço’ da posição parlamentar do PS e, finalmente, a clamorosa derrota da Direita. Existem, portanto, diversos vetores que influenciaram a sua composição.
Mas o que o novo Governo não deve pretender esconder é a circunstância de ser um Executivo minoritário que dependerá para aprovação de matérias orçamentais e outras de carácter estruturante para o País do contributo de outras bancadas parlamentares. A ‘geometria variável’ significa, tão-somente, isto.
 
As antecipadas críticas da Direita ao novo Governo que pouco inovou em termos de personagens (reconduzindo a maioria dos membros) e manteve no essencial a mesma orgânica (embora haja um alargamento) denunciam a estratégia do PSD e CDS para a nova legislatura, depois de ‘lamberem as feridas’, decorrentes do último ato eleitoral.
 
A ‘variabilidade do geometria parlamentar’ aparece aqui como uma consequência da indefinição do PS relativamente à assunção descomplexada de políticas de Esquerda e a tentativa de permanência num limbo equilibrista funcionando como charneira política que, muitas vezes, é representada pela situação híbrida de ‘Centro-Esquerda’. É de crer que na próxima legislatura este balancear poderá gerar mais problemas do que soluções. Todavia, o futuro dirá. 
 
Tornou-se relevante para uma política de Esquerda que, no plano interno, para além do quadro da reposição dos rendimentos que foram espoliados aos portugueses durante a intervenção externa (na maior parte já obtida), venham a colocar-se, paralelamente, um conjunto de reposição e ampliação de direitos que sofrem ainda de profundos constrangimentos, como p. exemplo, as alterações à legislação laboral, introduzidas no final da última legislatura (‘pedra de toque’ das circunstâncias políticas que terão inviabilizado uma ‘geringonça 2.0’).
 
Um outro parâmetro que condicionará a Esquerda será a política orçamental para o quadriénio 2019-2023, nomeadamente, na área dos investimentos, com especial pertinência no sector público (Escolas, SNS, Segurança Social, etc.), já que a ‘obsessão do défice’, travou muitas das ambições de desenvolvimento e de justiça social que caracterizam as ‘opções de matriz socialista’ de governação.
 
Não é verdade que o facto de a Esquerda (à esquerda do PS) ter-se empenhado em contrariar secretas ambições de maioria absoluta tenha, agora, a obrigação de colaborar com uma ‘política centrista’ do governo. Pelo contrário, o resultado verificado deveria influenciar a opção preferencial de negociar, alinhadamente e sem complexos, à Esquerda, em franca contradição com a salomónica tese da ‘geometria variável’, na verdade, uma 'solução de alto risco'.
 
Não tendo acontecido o desejável, ou seja, a capacidade de definir um caminho de Esquerda para a próxima Legislatura - com ou sem ‘papel’ passado - resta esperar pelo ‘programa de Governo’ e, a partir daí, definir futuras estratégias políticas. Mais do que as personagens que integram o novo Executivo serão as políticas objetivas que definirão o futuro.
 
De resto, a Direita está a tentar antecipar a capitalização do ‘fim da geringonça’ e o período de relativa instabilidade que daí poderá resultar. E não esconde o secreto desejo de, apesar de ter sofrido uma histórica derrota a 6 de Outubro, pretender influenciar a composição e a orgânica do futuro governo dentro do velho espírito de que ‘governar é um privilégio da Direita’. À Direita só falta explicitar que o novo ministro das Finanças deveria ser Maria Luís Albuquerque, ou propor Miguel Relvas para ministro do Ensino Superior…
 
Em resumo, nesta altura do campeonato, todas as antecipações são extemporâneas e transformam-se em meros exercícios de retórica. A próxima Legislatura tem múltiplos condicionamentos, levanta novos e intrincados problemas mas, em simultâneo, abre outros horizontes para uma progressiva clarificação política através da ‘praxis’. Resta saber esperar para ver.

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