Deus Toddy

Deus é, para os fiéis de qualquer religião, o expoente máximo e o superlativo de todos os superlativos. Nada há que iguale o significado dessa palavra tão mágica, tão sagrada e de importância tão grande e única. 

Frases afirmativas da existência de Deus são muitas vezes proferidas a propósito e a despropósito de tudo e de nada. Já todos ouvimos afirmar que “Deus é pai”, “Deus é amor” e “Deus é criador”. São três dessas frases do marketing religioso, tantas vezes proferidas e que nada dizem a quem não as sente por não professar a religião que as apregoa.

São afirmações que me fazem lembrar um anúncio radiofónico que esteve em voga quando eu era moço, propagando as virtudes de um pó achocolatado para misturar no leite. Produto americano de grande consumo na época, a sua mensagem afirmava categoricamente: “Toddy contém, porque contém mesmo!”

Ora… dizer isto, ou estar calado é, em termos informativos, rigorosamente a mesma coisa. A frase não acrescentava nem retirava nada ao produto que publicitava. Dizia-se que continha, mas não se definia, nem explicava, o respectivo conteúdo… porém, reiterava-se, à laia de explicação, que “contém mesmo” para sublinhar uma verdade: a de conter! Conter o quê?!… Ninguém sabia! 

“Contém porque contém mesmo”, é uma crença e não uma explicação. Não explicando coisa alguma, a mensagem Toddy conseguia gravar na mente dos consumidores a ideia de que aquilo haveria de conter algo de positivo que se reflectiria na boa saúde de quem bebesse aquela coisa misturada no leite.

Na verdade, o poder nutritivo do produto estava no leite (que o consumidor já possuía independentemente do Toddy) e não no pó. Este servia para alterar a cor e o paladar do leite e funcionava ao nível da crença. “Contém porque contém mesmo” é uma afirmação tão redentora como aquela de Deus ser pai, amor e criador. Em religião as afirmações são feitas na base do sim porque sim, do não porque não e do é porque é (contém porque contém) e funcionam com a mesma eficácia do marketing Toddy. O que colhe resultados é a crença nas virtudes do pó (e na existência de Deus), e não o pó propriamente dito (nem Deus) que ninguém sabe de onde provém (e que não existe fora da cabeça dos crentes).

O desconhecimento da origem do pó é, no fundo, o enigma, o dogma que alimenta a crença fazendo-a perdurar no tempo, e só encanta enquanto não se dissolve o mistério, mostrando que o pó nutritivo não é mais do que cacau… e então perde metade do interesse! Tal como perde o encanto e deixa de ter significado a magia do aparecimento da pomba, quando se conhece o truque do ilusionista.

É assim que Deus-Toddy vende a ideia da sua crença redentora e dulcificada a ser consumida em doses místicas nas missas onde se dissolvem orações…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Onofre Varela 

Comentários

Rosalvo Almeida disse…
Hoje, no Público, António Guerreiro diz no "Livro de recitações":
“Só temos verdadeiramente mãos, mãos livres, quando as damos”
Cardeal José Tolentino Mendonça, em entrevista a Bárbara Wong, PÚBLICO, 17/07/2022

«Uma hesitação nos assalta quando lemos as entrevistas (mas também algumas crónicas) de José Tolentino Mendonça. As suas proferições oraculares e a sua intencionalidade alegórica têm a grandiloquência de uma imitação da poesia, de tal modo que ficamos sem saber se devemos dizer que o cardeal é poeta ou se o poeta é cardeal. Se fôssemos ingénuos, diríamos que o seu discurso está por vezes demasiado próximo daquela personagem do jardineiro, interpretada por Peter Sellers, no filme Bem-vindo Mr Chance, que chega a presidente dos Estados Unidos porque o seu discurso metafórico, que ninguém entende, é interpretado como prova de profundidade e saber. Sabemos no entanto muito bem que as metáforas e alegorias do nosso cardeal-poeta não têm nada de idiota: são o produto de um cálculo e cumprem um protocolo. É a Igreja nos seus requintes pecaminosos, fixados pela tradição.»
Gostei!

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides