ARTE E RELIGIÃO (2)

Por Onofre Varela

Religião e Arte provavelmente brotaram juntas na necessidade estética que o nosso raciocínio sentiu necessidade de criar.

A primeira é filosófica e procura, na transcendência imaginada, razões ocultas do nosso olhar; a segunda é buscadora de imagens que representem, não só, a realidade concreta que nos envolve, mas também o pensamento abstracto que traduz sensações.

Ver uma flor e sentir a beleza contida na sua forma e na sua cor, é um sentimento só produzido pelo cérebro da espécie “Homo sapiens”.

Todos os animais são naturalmente impelidos a alimentarem-se e a reproduzirem-se. Estas são as duas únicas tarefas comuns a todos os animais, incluindo os “sapiens”. Os insectos e os pássaros que são atraídos pela mesma flor, não vêem nela nada mais do que alimento… e a Natureza aproveita-os como meio de transporte para fazer chegar o pólen a outras flores, contribuindo para o cumprimento do ciclo da vida.

Só nós, seres humanos, ultrapassamos as necessidades naturais de nos alimentarmos e reproduzirmos, ao determos a capacidade de descortinarmos beleza estética e poética nesse acto tão natural de observar uma flor.

Também na actividade sexual somos os únicos animais a usufruir do erotismo, e não copulamos apenas para nos reproduzirmos, mas também para desfrutarmos do puro gozo que o sexo nos oferece, procurando variedade na prática e demora no clímax. O uso do sexo pôe-nos de bem com a vida, retempera o ânimo e abastece a bateria da nossa auto-estima, ao mesmo tempo que nos ligamos a outro ser que entendemos e sentimos como parte de nós, e do qual não nos queremos separar.

Também no campo da alimentação fomos capazes de transformar a comida em culinária, e esta em cultura.

O Homem que criou deuses, também os recriou através de figurações artísticas, na escultura, no desenho e na pintura. A coisa sagrada encontra nas suas raízes mais profundas um paralelismo com o sentido artístico, experimentado no espaço de tempo que dista de nós entre 100.000 e 10.000 anos. A arte transformou e robusteceu o sentido religioso dando-lhe corpo através de peças decorativas usadas no culto, desde um simples cálice até aos sumptuosos templos e à estatuária votiva.

As ligações entre Arte e Religião atingiram o auge de uma relação promíscua na época clássica de Roma e Atenas, atravessaram a Idade Média e prolongaram-se para além da Renascença. As esculturas gregas, a arquitectura gótica, os esplendorosos vitrais de catedrais como as de Reims, Soisson e Notre Dame (França), e obras de escultura e pintura de autores como Miguel Ângelo, El Greco ou Caravaggio, só podem sublinhar essa intimidade, do tempo em que a Religião se servia da Arte para se mostrar sumptuosa, e os artistas encontravam na Religião o seu sustento e estatuto social, produzindo templos e embelezando-os com imagens que corporizavam o culto.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)


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