Jaime Alberto do Couto Ferreira – Professor, pintor e cidadão (1944 – 2022)

Jaime, quando em meados da década de cinquenta do século passado entraste no liceu da Guarda eras apenas um caloiro, de trato fácil, vindo de Famalicão da Serra.

Havias de te distinguir no desenho, na perfeição do traço, no rigor da forma, antes de te tornares o virtuoso pintor surrealista, um desenhador ao serviço da intervenção cívica e um talentoso criador de formas saídas do espírito inquieto e irreverente. Foste autor das capas da Vértice que a Censura salazarista tantas vezes te cortou para te obrigar a fazer outras.

A cátedra na Faculdade de Economia de Coimbra foi apenas uma referência académica de um cidadão que se cumpriu.

Separámo-nos cedo e, nas últimas décadas, foram intensas as relações, profundo o afeto mútuo e gratificante o gosto da convivência. Os velhos conhecimentos tornam-se afetos veementes e a amizade há de perdurar na memória enquanto forem meus os dias que tiver.

Hoje, cerca das 11 horas, comecei a receber notícias da tua morte, do teu vizinho, do teu filho e do casal Castro que tão dedicadamente sempre te acompanhou. Os telefonemas cruzavam-se a dar a notícia que me abstenho de adjetivar.

Acompanhei o teu sofrimento com a doença da Magui, tua companheira de sempre, mãe do teu filho, musa inspiradora e paixão que te devorou. Quanto ela partiu começaste a morrer por dentro, a desistir de ti, indiferente às mazelas que te atingiram, e acabaste por morrer em vida, primeiro de tristeza, depois alheio ao mundo.

Hoje foi apenas o interruptor fisiológico que se acionou. Não deste conta de que chegou o momento em que cumpriste o desejo do reencontro com a Magui. Os últimos meses foram longos e penosos. Ninguém merece viver num limbo, vivo por fora e morto por dentro, depois de tão intenso e demorado sofrimento.

Enquanto os numerosos amigos viverem, serás sempre uma presença marcante da nossa geração, uma referência da Coimbra culta e democrática, a grata recordação do homem generoso e artista criativo.

Há muito que nos faltavas. Hoje foi apenas o dia inevitável, o recado aos que ficamos, o aviso de que nos esperas para longas conversas na eternidade.


Comentários

verdepinho disse…
Que bonito texto, Carlos. Conheci o Jaime há uns 40 e tal anos, foi professor da minha filha na Economia, eramos da colheita de 44 e tenho por aqui albuns trabalhos dele.Ouvinte atento, democrata de sempre, deixa um espaço que nao será preenchido. Descansa, Jaime.
Verdepinho:

O Jaime era um homem bom e um ativista político de antes do 25 de Abril. Há muito que estava debilitado e, ultimamente, num estado vegetativo. Não foi justo tão longo e inútil sofrimento, mas continuará a fazer parte das tertúlias onde era a afável presença e o amigo dileto.

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