O Vaticano, o catolicismo e a concorrência

O Vaticano é uma herança do fascismo, nascido nos acordos de Latrão e marcado pela herança conservadora que, quase sempre, o ligou às monarquias absolutas e ditaduras de direita, de que muitas vezes foi sustentáculo e, nas atrocidades, cúmplice silencioso.

Os escândalos sexuais dos clérigos romanos, várias vezes empolados pela comunicação social e por rivalidades religiosas ou animosidade de livres-pensadores, ajudaram ao descrédito do catolicismo. Também a lavagem de dinheiro no banco do Vaticano (IOR) e a opacidade das contas da Igreja católica, nos países onde consegue furtar-se à apresentação de qualquer contabilidade minimamente transparente, contribuem para a imagem negativa, mas é a crescente secularização da Europa que mais aflige os Papas.

A ligação de João Paulo II a Reagan foi decisiva para a implosão do comunismo, mas a proteção a Pinochet e a cumplicidade com as ditaduras católicas sul-americanas não o fizeram arauto da liberdade nem o deixaram capitalizar a herança católica dos criadores da U. E. – Schuman, Adenauer e De Gasperi –, tendo ajudado à recusa da sua obsessão em introduzir uma referência ao cristianismo na Constituição Europeia.

Não são 44 hectares de sotainas que tornam pujante o Vaticano, mas a diplomacia com quase todos os países, as representações acreditadas em organismos internacionais e os movimentos ultraconservadores de inspiração autoritária: Comunhão e Libertação, Opus Dei, Legião de Cristo (este extinto por paternidade e pedofilia do fundador), Focolares, Neocatecumenal, todos protegidos por João Paulo II e Bento XVI. O imenso exército de bispos, padres, freiras, monges e leigos, bem como o imenso património e influência na educação e assistência dos países mais pobres, fazem da Igreja católica uma poderosa multinacional e um instrumento de pressão política.

Claro que há crentes que, por bondade pessoal ou crença no Paraíso, são especialmente úteis a populações carenciadas e países em crise. O Vaticano não é Estado pária onde o poder monárquico absoluto do papa se torne um perigo permanente para os direitos humanos. Pelo contrário.

A Igreja católica perde fiéis para igrejas evangélicas e pentecostalistas ligadas aos EUA, onde só 25% da população se reclama católica, sendo, no entanto, o maior contribuinte financeiro para essa Igreja, mas em acentuada regressão, depois dos escândalos sexuais.

A escolha de um Papa argentino, em 2013, pareceu trocar a deriva reacionária dos dois últimos pontificados e apostar decididamente nos países sul-americanos que os jesuítas conhecem bem desde as descobertas.

Há obstáculos que a Igreja católica, se quiser sobreviver no mundo globalizado, terá de contornar: a resistência cultural dos povos orientais, o progressivo individualismo dos povos, o liberalismo económico e o proselitismo islâmico, sem perder de novo o respeito pelas liberdades individuais e pela laicidade dos Estados.

A alegada existência de Deus é alheia ao futuro da Igreja, da católica e das outras, mas a Igreja de Roma, com o atual pontificado, tornou-se o último reduto pio compatível com a democracia e a defesa dos Direitos Humanos.

Ponte Europa / Sorumbático

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