Bolsonaro, Moro e Lula

Surpreenderam-me os devotos de Bolsonaro que vieram ao meu mural zurzir-me pelas felicitações que ontem apresentei ao vencedor das eleições brasileiras, Lula da Silva. E vieram, cheios de raiva, em bandos, na versão fascista, a bolçar insultos ao vencedor e aos que se congratularam.

Como se teriam sentido se tivessem lido no editorial do Le Monde do último domingo, a afirmar que a vitória de Lula representou um “alívio planetário”, em consonância com democratas de direita e de esquerda? A conspiração bolsonarista nas redes sociais é de tal modo extensa que chega ao meu mural. Está bem implantada nos média e infiltrada nas polícias e forças armadas, com sólido apoio de seitas evangélicas.

Não duvido da grave corrupção que grassa no Brasil nem do sistema constitucional que a favorece e do nível de cumplicidade do PT na decadência ética da política. Duvido, no entanto, que Dilma Rousseff tivesse sido corrupta e que a sua destituição não fosse mera conjura de partidos ainda mais corruptos e de magistrados venais para destruírem o PT.

Há tendência para tolerarmos todas as infâmias, quando atingem os nossos adversários, e atribuirmos à intriga política o julgamento dos nossos correligionários. Procuro que os afetos não me influenciem, ainda que seja difícil a imparcialidade desejável.

Há quatro anos, surpreendeu-me a rapidez da acusação, julgamento, prisão e inibição de votar contra Lula da Silva, após sondagens que o davam como claro vencedor eleitoral. Um obscuro juiz, Sergio Moro, sem legitimidade para o julgar, aceitou célere o ‘testemunho de um arrependido’, para o incriminar. Já tinha prevaricado a autorizar, ao arrepio da lei, escutas à PR. Admoestado pelo STF, pediu desculpa, mas não à PR, e prosseguiu a perseguição a Lula, que o ódio, as ambições políticas e a cumplicidade com Bolsonaro lhe impunham.

Podia ser um entusiasta da defesa da honra da República e da honestidade nas funções públicas, mas a interrupção de férias para impedir a libertação do preso, ordenada por um tribunal superior, deixou a certeza de militância partidária.

Sérgio Moro, apesar de ligado ao partido de Jair Bolsonaro, e de arredondar um chorudo vencimento e obscenas mordomias com o subsídio de habitação numa cidade onde tinha casa própria, podia ter alguns princípios éticos, apesar dos atropelos jurídicos.

Porém, ao aceitar o pagamento dos serviços prestados a um defensor da tortura contra os adversários políticos, apologista da perseguição das minorias, misógino e boçal, e, ao aceitar uma das gratificações propostas pelo fascista, o superministério ou um lugar de juiz do STF, Sérgio Moro revelou a leveza ética e a indignidade cívica de que é capaz.

Sempre julguei que a honra de um juiz brasileiro exigisse salvar as aparências. Atolou-se na ignomínia. É agora senador eleito.

O ex-ministro Moro é um serventuário pusilânime dessa conjura para cuja resistência minguam forças democráticas suficientes. A justiça nunca lhe interessou e, por isso, não se importou de a aviltar. O bolsonarismo fez dele, pela via democrática, senador.


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