ARTE E RELIGIÃO (3 e fim)

Por Onofre Varela

Embora Arte e Religião se tenham interligado através dos tempos, a Arte não se esgota no sentimento da religiosidade votiva e iconográfica. E também não é (nem por sombras) um braço da Religião.
Segundo o professor de Arte René Huyghe, no campo artístico “estudar um problema e ver como ele se apresenta, não basta. A investigação exige uma conclusão” (Os Poderes da Imagem. Enciclopédia de Bolso Bertrand. Editora Bertrand, Lisboa, 1965. Pág. 291).
A conclusão que a Arte exige é, sempre, almejada na forma final do objecto produzido pelo agente cultural que o artista é, e também se reconhece pela sensibilidade do apreciador e coleccionador de Arte, bem como pela análise do crítico.
Mas no caso do estudo de um problema inerente à Religião, quando encetado por ela própria, a conclusão é sempre íntima (do próprio religioso) e nula fora do âmbito da fé. Este é o grande desvio que faz a separação entre a sensação artística e a sensação deísticamente religiosa.
Por outro lado, a Arte parece ser uma actividade parasitária porque aquilo que produz pode muito bem ser dispensado por muitos de nós, por falta de sensibilidade estética. Do mesmo modo, para o não crente, a Religião também pode ser parasitária… mas nesta apreciação não entra a sua “falta de sensibilidade”; bem pelo contrário: a sua capacidade de raciocínio e sensibilidade, isentou-o da crença deísta, não por não a sentir, mas porque, conhecendo-a, ultrapassou essa “necessidade” que muitos espíritos alimentam.
O sentido religioso teve um papel fundamental no registo e na recolha da memória colectiva (desde a Pré-História). Graças ao acervo artístico coleccionado, hoje temos conhecimento de usos e costumes que, se a Igreja não tivesse induzido a sua representação e preservado um bom número de pinturas, provavelmente não teríamos obras iconográficas tão importantes (que nos servem como documentos “fotográficos”) testemunhando sociedades de tempos recuados. Exemplo desta recolha pode ser encontrado em toda a obra do pintor flamengo Pieter Bruegel (cerca de 1525-1569).
Na sua pintura "Brincadeira de Crianças" (1560) podemos observar jogos infantis, ainda em uso na nossa infância, como o “jogo do arco” e o “salto ao eixo”… para além de documentar as vestimentas usadas pelo povo pobre e pelos ricos da corte.
O seu quadro "A Ceia de Casamento" (1568) é prova desta afirmação, documentando a boda numa quinta, onde se tem a noção exacta do modo de transportar as iguarias (em padiola improvisada numa porta arrancada dos gonzos) e o próprio modo de comer e de beber.
Sem um "sentido religioso” que levasse à preservação de obras desta importância (e a Igreja foi a principal coleccionadora. Embora Bruegel não lhe pertença [no seu tempo havia conflito entre católicos e protestantes nos Países Baixos, terra de onde o pintor era natural e onde sempre viveu], parte da sua obra retrata a Bíblia), hoje não teríamos registos de imagens tão importantes para o conhecimento de uma época.
É claro que a Igreja não induziu, nem recolheu, obras de Arte com espírito altruísta, no sentido de as dar a conhecer a todos nós, mas sim para se engrandecer e sublinhar o seu poder pela acumulação de riqueza e valores. De qualquer modo, a Igreja foi a entidade que preservou um importante acervo, sem o qual, provavelmente, tantas obras artísticas com valor documental, se teriam perdido.
(FIM)
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

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