Cavaco e a eutanásia

Cavaco Silva diz que legalização da eutanásia não respeita espírito da Constituição. Não se contesta a Cavaco o direito à opinião, mas surpreende que invoque a CRP, se acaso a leu, quem sempre a viu com especial azedume e não foi exemplar no cumprimento.

Dizer, no entanto, que a despenalização, à semelhança do que pensa da IVG, é “mais um sinal da deterioração da qualidade da nossa democracia”, é um frete à Opus Dei, dos vários que tem feito, incluindo artigos laudatórios, e o pretexto para agredir o Governo do PM a que foi obrigado a dar posse, com um discurso a bolçar bílis.  

Cavaco, ressabiado salazarista, pode dar opinião, mas não deve chantagear e confundir a difícil situação criada pela pandemia e pela guerra, com o ódio que nutre ao Governo. Ao notário das decisões de Passos Coelho mingua autoridade para invocar a CRP e, sobretudo, o espírito. Basta lembrar os OE dos governos de Passos/Portas, que nunca lhe mereceram dúvidas e exigiram sempre OE retificativos.

O único PR que preparou a candidatura na vivenda de Ricardo Salgado, e um dos raros portugueses que comprovadamente lucrou com o BPN, sabe bem que a lei da eutanásia não obriga ninguém a aceitá-la, e que a sua ausência obriga quem a aprova a suportar o que não quer ou não pode. Mas o respeito pelos direitos individuais é igual ao que nutre pela AR

Este é mais um ensaio para se impor como líder da oposição de direita, magoado por ser preterido por Marcelo, muito mais culto, simpático e perigoso, sem o seu primarismo.

Terá saído da missa do padre Portocarrero de Almada, para dizer que “autorizar por lei um médico a matar outra pessoa é um salto no desconhecido extremamente perigoso”, com estultícia pia a condizer com a chantagem sobre a AR, se acaso aí o ouvissem.

Terá sido o confessor ou a sua prótese conjugal a segredar-lhe que “em alguns países europeus têm sido reportados casos de pressões sobre idosos e doentes para que aceitem ser mortos”?

Este homem frio, implacável na defesa de interesses próprios, ainda sem perdoar que lhe tivessem retirado a possibilidade de receber o vencimento do PR com pingues pensões do Estado, pelas quais optou, não é capaz de um gesto de empatia para quem sofre, para quem não quer ou não pode ser condenado a viver.

Ao contrário do que afirma, pensará que a qualidade das democracias, onde a eutanásia está regulamentada, se deteriorou com a legalização? Por que motivo, em Portugal, será “mais um sinal da deterioração da qualidade da nossa democracia”?

As certezas do autocrata e o ódio aos adversários, em quem só vê inimigos, não aceitam o direto dos outros a morrer com dignidade. Quer que morram como ele vive.


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