Ponto de vista

Por

Alexandre de Castro

Eu ainda não percebi (tendo sido os bancos, quer os de investimento, quer os de retalho, os agentes desta crise gravíssima) a razão que leva os governos da Europa e dos Estados Unidos a implementarem planos de salvação, insistindo única e obsessivamente na discutível opção de injectarem capitais públicos (impostos dos cidadãos) naquelas instituições ou de as protegerem, avalizando o seu financiamento para aumentarem a sua liquidez. Premeia-se assim, desta maneira, aqueles que promoveram a especulação bolsista e a criação de um mercado virtual em crescente e desajustada valorização, e que não correspondia ao valor da economia real, ao mesmo tempo que não se previne o risco da ocorrência de futuras reincidências, já que os criminosos voltam sempre ao local do crime.

Dizem os políticos e os economistas neoliberais, na sua cruzada da divinização do mercado e das virtudes da sua total liberalização, que os bancos são o nervo da economia, e que sem eles nada funcionaria, sendo pois necessário socorrê-los nesta hora de aperto financeiro. E voltam descaradamente a falar da mão invisível do mercado, socorrendo-se da metáfora criada por Adam Smith, e que tudo equilibra e tudo motiva (mesmo a vigarice, digo eu). E, para não renegarem à sua doutrina, fixam-se na afirmação de que "o sistema está certo, as pessoas que o dirigiam é que erraram", desculpa de mau pagador, pois não me consta que o sistema tivesse mudado as pessoas. Os banqueiros são os mesmos, os accionistas são os mesmos, os políticos são os mesmos, e são os mesmos os grandes especuladores que continuam à espera de encontrar novas debilidades no sistema para saciarem os seus apetites pelo dinheiro fácil.

Ninguém discute a imprescindibilidade da actividade bancária na economia, na sua função de intermediar o dinheiro entre o aforrador e o investidor no aparelho produtivo e nos serviços e de servir de base ao processo dos pagamentos internacionais. O que é legítimo, é repensar se ela deve continuar nas mãos de quem já demonstrou inépcia bastante ou abjecta má-fé na sua gestão, provocando em cadeia sucessivas derrocadas do aparelho económico, com consequências dramáticas ao nível do emprego, e aumentando o empobrecimento das classes médias e das classes trabalhadoras.

Enterrar dinheiro nos bancos, para os tentar salvar da bancarrota, é "dar o ouro ao bandido". Proceder à sua nacionalização sem indemnizações, já que os prejuízos não se indemnizam, deverá ser o novo paradigma para restabelecer a economia e devolver a confiança.

Também na política as mudanças profundas são inevitáveis, já que ninguém vai acreditar nos políticos que prometeram o paraíso e nos devolveram o inferno.

Alexandre de Castro - 25 JAN 09

Comentários

e-pá! disse…
Caro Alexandre Castro:

Quando li o seu post PONTO DE VISTA, lembrei-me da velha e descontinuada série da "Cosmos" tão brilhantemente dirigida por Bento de Jesus Caraça, em que este notável cientista tentava, por palavras simples, explicar coisas muito complexas.
Um notável pedagogo!
Não possuo - nem de perto, nem de longe - as aptidões de Bento de Jesus Caraça, mas tentei - tive imensas dificuldades - copiar o método.
E, finalmente, penso que Alexandre de Castro saberá distinguir, sem esforço, a genialidade dos temas tratados nos folhetos da "Cosmos", de uma espécie de plágio (do modelo) de má qualidade.

Aí, vai...

O "problema bancário" não é novo, desde há longos anos que se conhece a "bancarrota".
Todavia, esta crise veio mostrar como os Bancos "re-descobiram", há muito tempo, a pólvora...
Na verdade, quando vamos ao Banco e contraímos um empréstimo, o dinheiro que nos é creditado, na realidade não existe. Pagamos juros sobre fundos, na sua maior grandeza, fictícios.

O vulgar cidadão acredita que o Banco lhe emprestou dinheiro depositado por um outro qualquer cliente.
Na realidade, o seu empréstimo é "creditado" na sua conta pela quantia que solicitou ao balcão. O Banco digita o seu empréstimo numa computadorizada foha de débito.
A partir desse dia o agradecido cliente começa a pagar juros sobre um mero registo informático.
Este finaciamento fantasma é registado na contabilidade bancária como um “activo" dessa instituição financeira. Esse facto, permite aos Bancos fazerem novos empréstimos, cobrarem novos juros, reproduzindo, diria em termos mais modernos, clonando, o mesmo esquema.
Em cada empréstimo que realiza, os novos credores ficam em débito e os activos do banco vão aumentando. Parece um processo de acumulação de capital, mas na realidade pode ser uma bancada de computadores, como, há anos atrás poderia ser umas resmas de papel numa esquelética estante ou, num bafiento cofre.

Nenhuma moeda novinha - daquelas reluzentes - foi cunhada e nenhuma nova nota foi impressa.

Para estes empréstimos nenhum dinheiro saíu das contas dos anónimos depositantes.
Esse dinheiro saíu para fazer alavancagem (elevação da taxa de rendibilidade) em investimentos de alto risco. O depositante nem suspeita.

Segundo a imprensa portuguesa relata o BPN teria uma agência, ou seria mesmo um "banco" associado (Efisa ou Insular?), que funcionava apenas à volta de um simples computador.
Uma notável antecipação ao "Simplex"!

Portanto, os bancos emprestam, acima de tudo, ilusões.
Enormes quantidades de "dinheiro" circulam em forma de cheques e créditos (dinheiro plástico/cartões de crédito) mas menos 10% existem em forma de moedas e notas. Portanto, 90% dessas quantias não existem... mas vencem juros.

O sistema - sob o ponto de vista global - está, há muito tempo, falido e só sobrevive porque as pessoas foram condicionadas a considerar promissórias, cheques e cartões de crédito como se tratasse de “dinheiro” vivo, sonante.

Então, porque é que as pessoas aceitam este esquema?
A resposta é por terem medo.
Medo de não ganharem dinheiro suficiente para sobreviverem.

Depois de explorar este medo para os bancos é só necessário inflaccionar as necessidades básicas ou supérfluas, como: comida, vestuário, automóvel, educação, férias e todo o sistema entra num círculo vicioso que coloca as pessoas ao serviço dos interesses dos sistema financeiro.

Finalmente, existe um bem muito procurado, estimulante e que faz parte do universo das ilusões das famílias: a habitação.
Foi por aí que Wall Street resolveu atacar e criar as famosas subprimes que colocou massivamente no mercado, em pacotes à mistura com coutros "activos menos tóxicos" e que, em poucos anos, conduziram ao colapso financeiro... económico... e social.

Caro Alexandre de Castro:

Acha que tamanha mistificação pode ser desmontada pelos Governos sem provocarem a hecatombe do capitalismo do, até agora, intocável mercado livre?

Acha que a regulação do mercado pode ser um mero arranjinho de circunstância e não mexerá, nem uma palha, na essência do capitalismo?

Mecanismos estatais de regulação dos mercados, não vão aliviar o medo latente que mantem milhões de cidadãos paralisados e impotentes perante a crise?

Alguém compreende por existem tantos planos de salvação das instituições financeiras a par de um memorável descalabro de insegurança no trabalho e total ineficiência no combate ao risco de desemprego?

Acha que a actividade bancária vai continuar a estar acima de toda a suspeita e nada vai mudar?

Nem sequer os paraísos fiscais como o Mónaco ou os offshores como a Madeira, as ilhas Caimão, etc.?

Acha que os actuais planos de salvação se não conseguirem rapidamente suster o galopante desemprego não vão dar lugar a graves crises sociais, certamente, violentas?
Graza disse…
Desculpe Alexandre tê-lo comentado com um post, mas tinha que dizer no meu espaço qualquer coisa sobre o cepticismo que não me larga. Se a sua é uma boa ideia? Já não sei, ando céptico
Caro e-pá:
Agradeço-lhe a atenção que o meu comentário mereceu da sua parte.
Não concordo, no entanto, com a sua afirmação, quando, referindo-se ao seu próprio texto, o classifica injustamente como um uma “espécie de plágio (do modelo) de má qualidade” daquele que Bento de Jesus Caraça escreveu há mais de meio século. Aquele grande matemático, que, com o seu brilhantismo intelectual, seduzia os seus alunos no ISCEF, onde era professor catedrático, ficaria orgulhoso de ser citado da forma como o fez.
O e-pá conseguiu explicar com clareza a natureza do funcionamento da engrenagem bancária.
Embora não sendo economista, compreendo razoavelmente essa engrenagem, inerente ao próprio sistema capitalista. E à sua fundamentada explicação acrescento uma outra, e que tem a ver com a posterior valorização em espiral de todos esses créditos no mercado de capitais, através das bolsas de valores, onde são incluídos nos mais diversos fundos, que por sua vez dão origem a outros fundos, numa mobilidade constante, e dando várias "voltas ao mundo financeiro".
É evidente que o capitalismo, na sua complexidade actual, vive dessa especulação desenfreada, que o próprio sistema político não está interessado em mudar, por uma questão de sobrevivência. Como sabe, e certamente melhor do que eu, a mudança só pode ser pela via revolucionária, e, se olharmos para a História, facilmente se verifica que foram as profundas crises económicas que conduziram às grandes revoluções.
E esta crise, devido à sua dimensão e profundidade, irá conduzir a uma guerra de grandes proporções ou a uma grande revolução. Nada irá ficar na mesma.
Se tivéssemos vivido no final do século XVIII ou no princípio do século XX, estaríamos aqui a discutir os problemas económicos vividos naquelas épocas e a teorizar sobre o “mundo de incertezas” em relação ao futuro, ou até a afirmar que a situação seria imutável, sem suspeitarmos minimamente da proximidade da Revolução Francesa, que liquidou o "ancien regime", ou da Grande Guerra Mundial, que nenhum político ou militar imaginara tão catastrófica e brutal.
Também, nenhum espírito mais iluminado previu o eclodir da Revolução Russa, que conseguiu sobreviver, apesar do boicote desencadeado por uma grande aliança dos países europeus, onde, na retaguarda do Exército Branco, se encontravam os avós dos actuais banqueiros, e os avós ideológicos dos actuais políticos, mais um sem número de especuladores à mistura.
É certo que a nova realidade construída nesses países desmoronou-se como um castelo de cartas, sem que um qualquer ideólogo, também iluminado, o tivesse previsto. Mas não é isso que agora está em discussão. Interessa-me mais realçar o facto de considerar que o século XXI, com ou sem bancos, nacionalizados ou não, com mais ou menos capitalismo, ou mais ou menos outra coisa qualquer, vai ser totalmente diferente do século XX, tal como este foi diferente do século anterior, e assim sucessivamente. E não serão aqueles que consideram que se chegou ao fim da História que conseguirão travar a mudança.
Julgo ter respondido às suas pertinentes questões.

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