Ao Luís Almeida Henriques:

Não, não me esqueci de ti, querido amigo. Ontem estava longe de Coimbra. E recordei-te. Fez três anos que nos deixaste. Muitos recordam o médico, o democrata, o socialista e o homem de bem. Os que te conheceram hão-de recordar-te sempre. Não sei se o PS, em Viseu, se lembrou de ti.

Deixo aqui as palavras que te dediquei há três anos - a oração fúnebre que precedeu a tua descida à cova.


Luís:

Só as lágrimas amaciam esta revolta que sentimos. A tua ausência é chumbo derretido na ferida da saudade que abriste com o gume do teu enorme afecto.

A tua partida, Amigo, obriga-nos a uma dolorosa viagem à memória. E como pode ser tão sofrida essa viagem onde tropeçamos na esperança que transmitias, na alegria contagiante, na ternura com que nos envolvias!

Tu eras o rio impetuoso que não suportava as margens. Eras a voz irreverente de quem não se conforma com as injustiças, de quem acredita no homem e na sua capacidade de transformar o mundo. Foste voz de Abril antes da liberdade conquistada, para seres a consciência crítica dos que tão depressa se acomodaram. Sonhaste cravos antes de florirem. Não deixaste de os regar quando lhes quiseram roubar o viço ou desejaram vê-los murchar.

E nunca, mas nunca, foste neutral. Marginal, muitas vezes. Rebelde, sempre. Havia em ti um gosto irreprimível pela liberdade, tão intenso como o prazer da transgressão. E é nesse exemplo cuja memória guardamos que havemos de rever-nos nos dias que ainda tivermos, no tempo que ainda formos, nos tempos que nos desafiam a lutar pelos ideais que sempre foram teus e que serão sempre nossos.

Se há um paradigma de livre-pensador conseguiste-o. Empenhado em todos os movimentos cívicos em que te reviste, apoiante de todas as causas que julgaste justas, foste dos homens mais solidários e nobres que conhecemos. E dos mais fraternos. Foste excessivo a dar, sem nada querer de volta.

Amaste a Pátria por cuja liberdade arriscavas a tua. Amaste a família, os amigos, Viseu. À tua volta nascia uma tertúlia em cada mesa de café, em cada banco de jardim, em cada esquina onde paravas rodeado de afectos, em cada ágape que eras o primeiro a promover.

Há talvez uma década, num jantar de anos do Dr. Fernando Vale, maravilhado pela frescura do seu discurso, disseste que, enquanto vivesses, não lhe faltarias com o teu abraço em cada aniversário. E cumpriste. Não o farás pela primeira vez no próximo dia 30 de Julho, quando completar 102 anos.

Luís, tu não tinhas ainda que partir. Nem esperaste pelo solstício que se avizinha.
Não podias ter esperado um pouco mais? Não podias, ao menos, transferir a força do teu entusiasmo, a coragem e determinação que eram teu apanágio, para nos ajudares a defender as causas e os princípios que nos irmanaram?

Não. Claro que não. Tu já não vês sequer as lágrimas que as flores que te cobrem escondem nos nossos rostos. Dizem que é feio chorar. O raio que os parta, Luís. Feio seria não chorar um homem como tu, não sofrer a partida de um irmão destes, não sentir a perda de um amigo assim.

Fica em paz amigo, companheiro, camarada, irmão. Nós ficamos desolados.

Viseu, 10 de Junho de 2002

Comentários

Anónimo disse…
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Anónimo disse…
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