Ameaças da Igreja Católica contra o "democratismo"

Na sua habitual homilia dominical no Diário de Coimbra, hoje Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispo Emérito de Coimbra Dom João Alves publicou um texto com o título aparentemente inócuo "Natal sem Cristo não é Natal".

1.Começa por lamentar, entre outros males, "a falta de emprego, sempre a crescer,[que]amargura a vida de tantos sem esperança de melhores dias no futuro e quantos outros problemas a entristecer o Natal Festa da alegria e da paz.". No entanto Deus, embora omnipotente e infinitamente misericordioso, nada pode fazer para resolver estes males.

Para o Senhor Bispo Emérito, "Deus, no respeito da liberdade de cada ser humano e no respeito das leis que regem a realidade que Ele criou, tem maneiras de inspirar os seres humanos para que se vão abrindo à sabedoria e corrigindo o que se degradou e sigam o caminho da justiça e da solidariedade."

Isto é, se bem consigo compreender: Deus "criou a realidade" mas dotou-a de "leis que a regem" e que nem ele, embora omnipotente, pode alterar. Os homens é que têm a culpa de todos os males do mundo; Deus apenas pode "inspirá-los" a corrigir-se. No entanto essa divina "inspiração" poucos resultados tem dado...

2. Descendo depois a realidades menos metafísicas, Sua Eminência insurge-se contra uma "minoria, pequeníssima minoria, [que] tem tido, entre nós, atitudes agressivas como o banir do crucifixo", que "são agressões à quase universal atitude cristã do povo português", pois Portugal é "um pais com maioria esmagadora de cristãos católicos".

Ora acontece que as estatísticas, feitas cientificamente e não inspiradas pelo Espírito Santo, demonstram o contrário. Admito que a maior parte dos portugueses sejam baptizados, mas são-no numa idade em que não têm capacidade de escolher. Quando já têm essa capacidade, por exemplo quando se casam, sabe-se por exemplo que, no ano passado, de todos os casamentos celebrados apenas 44% foram católicos, sendo que os restantes 56% foram civis.

Se àqueles já de si minoritários 44% descontarmos aqueles que se casam pela Igreja apenas porque a cerimónia é "mais bonita" ou por não quererem desagradar à parentela, e as estes 56% acrescentarmos os que vivem maritalmente sem sequer se casarem,facilmente concluiremos que a grande maioria dos portugueses não é católica.

Falece poi razão a Sua Eminência quando pergunta: "Não haverá aqui um democratismo ofensivo da fé do povo português? Não estaremos perante um democratismo ideológico e pouco esclarecido?", e quando afirma que "é uma minoria de activistas que toma essa atitude 'estranha'". Mas o pior é quando o Senhor Bispo Emérito passa à ameaça, dizendo: "A paciência tem limites. Convém não brincar com o fogo". Esta ameaça, sobretudo vinda de um prelado português, é de muito mau gosto. A que "fogo" se refere? Às fogueiras da Inquisição ou aos mais recentes casos em que uns energúmenos, açulados pela padralhada reaccionária, incendiaram sedes de partidos políticos?

Convém por isso lembrar-lhe que aqueles a que chama "minoria de activistas" já conseguiram, há mais de dois séculos, acabar com as fogueiras do Santo Ofício, e, há mais de três décadas, acabar com esses actos criminosos. E mais recentemente o povo português aprovou em referendo uma regulamentação da interrupção voluntária da gravidez apesar de a Igreja ter assestado contra ela todas as suas baterias.

Não, Senhor Bispo Emérito, não se trata de uma "minoria de activistas"; trata-se de uma clara maioria de democratas defensores da laicidade, que já não têm medo do fogo do inferno nem do fogo da Inquisição!

Comentários

ana disse…
E são cada vez menos os temem as ameaças,graças a Deus.É mesmo o que chateia a padralhada.
e-pá! disse…
A capciosa "confusão" entre os baptismos perinatais, i.e., os nascituros que são levados pelos progenitores a contrair uma ligação - que se pretende perene - com a ICAR e os fieis cristãos dá origem a uma das maiores ilusões (quimeras) estatísticas que somos obrigados a conviver no dia a dia.
Um alto representante da hierarquia religiosa, mesmo já jubilado e detentor do título de “emérito”, não pode incorrer nestes dislates.
Em vez de citar dados enviesados deveria, antes, interrogar-se sobre essa figura de retórica que constituem o (numeroso?) grupo de “cristãos não praticantes”…
Muitos desses “não praticantes” foram atirados para o terreno da descrença “envergonhada” – o afastamento da prática religiosa é isso - pela observação da hipócrita “ausência” desse ser omnipotente e infinitamente misericordioso…
E, na verdade, as hostes desses “desiludidos da vida” vão engrossando com as crises sociais de que o desemprego, a fome e a miséria, são exemplos.
De resto, a História devia instruir o emérito prelado que os grandes movimentos de libertação das peias que escravizam as pessoas, começaram sempre por “minorias activistas”.
Mas a ICAR sempre teve dificuldade em compreender o processo histórico. O seu milenar trajecto está pejado desses exemplos. Facto que origina que o seu mais alto representante se desdobre em múltiplos esclarecimentos à posteriori e a constantes actos de contrição. A grande parte das vezes - como no caso da Inquisição - tarde demais...
.
Anónimo disse…
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andrepereira disse…
espero que essa maioria esmagadora não queira "esmagar" ninguém... A minoria perturbadora também não quer perturbar, só quer respeito.
Julio disse…
Essa dita “Reverendíssima” empenha-se, é claro, em defender o seu tacho, pois é exatamente isso que vem fazendo ao longo dos anos de parasitismo religioso na SEITA que o promoveu a esse atributo!

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