Obama na Europa e a 'alavancagem' do TTIP
A digressão que o presidente Obama está a efectuar é o arrumar da casa (Branca!) antes de a desocupar como determinam as regras democráticas dos EUA na rotatividade presidencial.
Foi de rompante à Arábia Saudita para tentar apaziguar os ânimos em relação à sua politica externa no Médio Oriente nomeadamente às negociações com o Irão e a melindrosa questão do “documento 17” link, este ano desclassificado das restrições de divulgação, que poderá revelar ligações suspeitas entre o reino saudita e os autores do atentado terrorista de 11 de Setembro.
Da visita a Riad transpareceu muita frieza e um franco afastamento que é revelador das actuais dificuldades de relacionamento entre dois velhos aliados. As amizades construídas à volta do crude são sempre 'viscosas'. Veremos quais as consequências futuras deste distanciamento mas parece mais um problema que foi transferido para a próxima presidência americana.
Depois desta entrada em falso, Obama ‘aterrou’ na Europa visitando os seus principais aliados. Teve em Londres uma participação activa quanto ao referêndum sobre o Brexit que não deixou de levantar susceptibilidades aos orgulhosos e preconceituosos britânicos oriundos do lado defensor o ‘Exit’. Esta é, todavia, uma questão marginal para a estratégia de fundo da política externa e comercial americana.
O que, de facto, Obama veio fazer, primeiro em Londres com Cameron e, depois, em Hannover com Merkael, foi tentar ‘vender’ o TTIP (Transatlantic Trade and Investiment Paternership), ou seja, um novo, abrangente e 'arrasador' tratado de livre comércio entre os EUA e a UE a somar aos múltiplos acordos bilaterais que estão em vigor.
E aí estamos perante um problema político muito sensível para a Europa democrática e no aspecto do desenvolvimento (económico e financeiro) um exercício bastante arriscado, para não dizer absolutamente redutor, nas aspirações do Velho Continente no contexto da globalização.
As negociações sobre este Tratado decorrem no mais profundo secretismo. Nenhuma estrutura democrática europeia ou nacional tem acesso ao conteúdo do que está a ser negociado em reuniões que mobilizam (quase exclusivamente) os diferentes lobbys económicos de ambos os lados do Atlântico. Por maioria de razão os cidadãos europeus foram formalmente colocados à margem dessas obscuras negociações.
A Comissão Europeia tem um mandato muito vago e impreciso, como convém aos euro[buro]cratas, decorrente das alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa e criou (em 2011) um “grupo de trabalho de ‘Alto Nível ’ sobre crescimento e emprego” que foi liderado pelo representante comercial do Governo dos EUA (Ron Kirk) e coadjuvado pelo Comissário do Comércio da UE (Karel De Gucht), e a razão deste passo foi publicamente anunciada como uma resposta (do Ocidente?) à crise financeira desencadeada em 2008, todos sabemos como, por quem, faltando explicitar para quê. Fica aqui a imagem da raposa a guardar o galinheiro.
Múltiplos acordos bilaterais de investimento foram assinados (bilteralmente) entre a Europa e muitos Países (incluindo os EEUU) no pós II Guerra Mundial (1954) e, em 2006, foram utilizados no documento 'Europa Global' link link para definir políticas ditas competitivas a nível mundial. Os acordos já assumidos contabilizam o interessante número de cerca de 3 milhares (!).
Na verdade, o que de novo o TTPI pretende é afastar os Estados membros da possibilidade (capacidade democrática) de controlar as grandes empresas transnacionais (holdings) e cartéis internacionais e assim regular a competitividade comercial.
Na realidade, o instrumento desta política de domínio comercial mundial gizado à revelia dos Estados membros é o ISDS (Investor-State Dispute Settlement), isto é, Comissões Arbitrais, que operam à margem do controlo judicial (nacional e europeu) e cujas decisões não podem ser objecto de recurso para outras instâncias. Se alguma coisa faltava para desenvolver os ‘mercados livres’, tão ao gosto da ‘Escola de Chicago’, o TTIP é o completar do ciclo da neoliberalização ‘global’.
Em Londres, Obama conseguiu passar entre os pingos da chuva já que o Brexit é no momento uma questão dominada pela política paroquial (a que se associam questões económicas e financeiras) e utilizou o argumento do TTIP para ameaçar os adeptos da saída da Grã-Bretanha aa UE. De certo modo a mensagem passou ao lado dado o envolvimento ser essencialmente político e de cariz eminentemente ‘(ultra)nacionalista’. Aliás, a Grã-Bretanha funcionará como o 'cavalo Troia' dos EUA para a implantação do TTIP na Europa. Esta a postura histórica do Reino Unido e nada de novo se antevê capaz de introduzir alguma mudança de atitude.
Em Hannover, a questão não passou despercebida aos alemães e múltiplas organizações cívicas (130) organizaram, na véspera do encontro entre os dois dirigentes, uma manifestação de protesto que congregou expressivo número de participantes link . Transpareceu para a opinião pública que a aprovação do TTIP não será um assunto tão pacífico como desejariam os protagonistas das negociações em curso.
À margem e na sequência do périplo europeu de Obama recomeça, na próxima semana, em Nova York, a 13ª. ronda de negociações do TTIP.
A passagem por Londres e a reunião de Hannover não passam de ante-câmaras prospectivas (no silêncio dos deuses) para desbloquear questões políticas desta nova ronda.
Obama gostaria de fechar o seu ciclo presidencial com o TTIP. Não terá tempo. Esperemos que desta vez a Europa exija discutir detalhadamente o alcance e as consequências de um instrumento tão importante em relação ao seu futuro. A 'financeirização' da política, nomeadamente a preponderância desta sobre aos ditames económico-financeiros, não tem terreno para ir tão longe.
Os cidadãos europeus não concebem que um Tratado deste alcance e consequências fique sujeito a uma votação do tipo referendário (sim ou não) no Parlamento Europeu.
Trata-se de um problema demasiado sério, diria vital, para passar ao lado da discussão pública e de referendos nacionais como sucedeu com a maioria dos múltiplos Tratados e Acordos que têm sido firmados (relembrar o Tratado de Lisboa).
Os eurocratas cometeram o erro capital: tentar dar o passo maior do que a perna. A viagem de Obama não conseguirá reverter a crescente indignação dos cidadãos europeus.
Comentários
A capataz dos EUA é (sempre foi) Merkel. E a afluência de refugiados vindos dos lados muçulmanos só faz lembrar a horda de refugiados que fugiu da Rússia nos primeiros tempos do bolchevismo, invadindo os territórios que hoje são da Alemanha, Austria, Hungria, Polónia. Há alguma semelhança. Esperemos que o resultado final não venha a ser também semelhante...