Cristas na crista da onda envolta em espuma e sem pé …
O depoimento do Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), general Rovisco Duarte, na comissão parlamentar de Defesa link, não terá esclarecido tudo o que ocorreu no inquietante roubo de material de guerra em Tancos mas veio, de algum modo, pôr alguma água numa fervura que continuava a ser diariamente alimentada pela comunicação social e pelas forças políticas durante a semana passada.
A situação interna revelada pelo general onde sobressai o ‘desleixo’, ‘falhas de supervisão’, etc. mostram que a instituição militar necessita de clarificar os propósitos e determinar os meios (orçamentais, técnicos, humanos e outros) necessários e suficientes para assegurar o cumprimento da sua missão fundamental e que diz respeito à defesa da soberania nacional.
Essa missão de soberania é complexa mas ninguém duvida que a sua concretização começa pela própria casa, isto é, protegendo eficazmente, a todo o momento e perante os mais variados cenários, o pessoal, as bases, os aquartelamentos e os depósitos de material bélico.
Ontem, mais uma vez, o CEME introduziu mais um vector nesta complexidade ao falar de ‘cumplicidades’ (internas?) link o que vai aumentar as dificuldades da investigação (em curso) e terá necessariamente como consequência o repensar os modelos de recrutamento e formação dos efectivos militares. E neste campo não deverá existir qualquer tabu, ou rebuço, no questionar e avaliar as consequências do fim do SMO (em vigor há mais de uma dezena de anos).
Estes novos desenvolvimentos revelam que estamos perante problemas de fundo, em que o roubo de Tancos (sendo operacionalmente um facto grave) não passa de um epifenómeno. De imediato, interessa desde já reforçar a vigilância das instalações e prosseguir no apuramento das causas próximas e remotas que tornaram possível o grave incidente de Tancos.
Existem, desde ontem, novos tempos e novas metas. Para além da falhas a apurar com rigor e celeridade no interior da instituição militar para obviar a novos incidentes deverá ser aberta a discussão pública da política de Defesa Nacional que deve remontar ao fim da guerra colonial (momento de rutura com o passado) e passará necessariamente pela análise da ‘saúde’ das alianças político/militares em vigor (mas atingidas por uma 'crise pós-trumpista') para acabar no quadro da representação externa dos País analisando e definindo as características das missões de natureza pacificadora e humanitárias que as FFAA devem continuar a desempenhar pelo Mundo.
Sendo assim, não se compreende a razão do secretismo que foi aplicado à audição do CEME, tanto mais que dado o interesse público das políticas de Defesa Nacional e o alargado número de elementos que integram a dita comissão, a confidencialidade sobre as declarações aí produzidas é mais uma ficção a juntar a tantas outras. A invocação de que na audição poderiam ser reveladas questões sensíveis de segurança militar é uma má desculpa. De facto o tipo e a quantidade de material armazenado nos paióis revelou-se um 'segredo de Polichinelo' que os jornais espanhóis se encarregam de desmistificar.
Mas neste campo do ilusionismo a maior ficção política terá sido a 'passeata de Assunção Cristas a Belém' para exigir, aprioristicamente, a cabeça do ministro Azeredo Lopes link.
O que a presidente do CDS deveria reter é que para cavalgar com êxito a crista da onda é indispensável começar por aprender a surfar e ter uma boa prancha. Quando não se tem experiência ou se precipita pelo mar adentro o(a) surfista arrisca-se a um ‘cutback’ (para usar a linguagem do surf) e a afundar-se na espuma da onda (ou das coisas).
Foi esta a atitude adoptada por Assunção Cristas que tentando cavalgar a onda acabou sem pé e mergulhada na espuma dos dias, a gritar por autoridade, mas necessitando de socorro para salvar a compostura (política e partidária).
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