Os ciclos económicos da (na) Amazónia…
A presente crise amazónica insere-se numa longa caminhada histórica brasileira que é de modo determinante paralela á evolução económica através de séculos. O ‘novo Mundo’ está a ser assoberbado com velhos problemas na qual a economia não é um parceiro inocente, mas o que será determinante, para enfrentar o futuro, são os ‘modelos de desenvolvimento’ adotados através dos tempos.
A situação brasileira é muito complexa, diria mesmo, de uma extensa complexidade em consonância com a gigantesca dimensão da Federação de Estados do Brasil e torna-se um penoso exercício tentar compreender e sistematizar os parâmetros materiais que influenciam e ditam, neste momento, as decisões políticas com consequências económicas. Há todo um longo caminho percorrido que só muito dificilmente se invoca sem cometer erros ou criar lacunas.
É óbvio que a sucessão de ciclos económicos tem sido ditada por opções políticas e sociais. O que se pretende é encadear os ciclos económicos de modo a dar uma pálida ideia da cascata de alterações ambientais que lhe estão inerentes.
Nesta análise não entra a exploração do petróleo que se inicia na ‘era Vargas’ e a criação da Petrobras que hoje é um dos fulcros da instabilidade política brasileira.
Deixando para trás o período pré-colombiano a história da Amazónia - vasto território tropical marginando o rio Amazonas e seus afluentes que totaliza 7 milhões de Km2 e atravessa 9 países da América do Sul - tem tido, ao longo de séculos, um forte impacto económico, social e cultural no Brasil (país onde se localiza mais de 60% da área florestada) que se mostra deveras relevante e, em certa medida, justifica o impacto atual no Mundo dos destrutivos incêndios florestais que hoje consomem esta área e alimentam uma polémica a nível global.
De maior dimensão – mas com um bioma com outras características – só a taiga siberiana e o deserto do Saara.
Os problemas remotos da Amazónia começam com um acordo que marca as convulsões da saga colonizadora do século XVI entre Portugal e Espanha e ficou conhecido pelo Tratado de Tordesilhas. A floresta amazónica primitivamente reivindicada pelos espanhóis só em meados do século XVI viria a ‘integrar’ o território brasileiro colonizado pelos portugueses.
Em primeiro lugar, interessa conhecer a origem do nome ‘Amazonas’. Trata-se de mais um produto da colonização, neste caso decorrente da expedição rio abaixo –desde as cordilheiras andinas peruanas até á foz no Atlântico – organizada por Francisco Orellana, em 1540-42, que no seu trajeto teria enfrentado tribos índias guerreiras, algumas delas capitaneadas por mulheres, o que inserido no contexto da mitologia grega, conferia-lhes o estatuto de ‘amazonas’.
O Brasil ao longo da sua história conheceu vários ciclos, podemos dizer, de desenvolvimento. Muitos deles tiveram reflexos na região amazónica e um número mais restrito tiveram aí o seu epicentro. O ciclo inicial foi ‘missionário’ e teve como protagonista a intervenção jesuíta. Desde a escravidão primitiva índia à sua posterior substituição pela africana existiram múltiplos episódios que estiveram centrados nas regiões do Maranhão e do Grão-Pará, onde a apropriação de riquezas naturais e nativas (ouro, diamantes, pedras preciosas) e o extrativismo do pau-brasil foi o caminho mais fácil (para os europeus).
Aparecem aqui os famosos ‘bandeirantes’ que se revestiram de um cariz variado, muitas vezes violentos. Na época jesuítica dos primórdios da colonização podemos distinguir o conhecido padre António Vieira que se notabilizou como pregador, defensor dos índios e do fim da escravatura que tendo entrado em choque com a real doutrina colonizadora, viria a ser deportado para Portugal.
Ao ciclo do pau-brasil sucedeu o da cana-de-açúcar mas este não assentou arraiais no território da Amazónia, concentrando-se na Baía e em Pernambuco. Depois do açúcar aparece pelo meio um subciclo da pecuária, mais intenso no Nordeste, mas que também atingiu o Maranhão, com a produção de animais de tracção e de carne (charque) e, subsidiariamente, do couro e de artefactos daí derivados que tanto influenciaram a economia doméstica do sertão brasileiro. Segue-se o ciclo da mineração (do garimpo), o do cacau, logo ultrapassado pelo do café.
A região amazónica desempenhou um papel importante no ciclo do cacau. Todavia seria o(s) ciclo(s) da borracha que se dividiu em duas fases, a primeira, no início do século XX e, a segunda, durante a II Grande Guerra, que ‘marcaram’, no passado recente, a região e foram de uma importância crucial não só no campo económico como no social e no cultural. O primeiro ciclo da borracha que dura mais de 30 anos (vai de 1879 a 1912) foi, no Brasil, o acertar do passo, em termos económicos, com a industrialização mundial e o segundo ciclo que ocorre durante a guerra é uma verdadeira emergência (de muito curta duração) consequência da situação militar na Ásia que interrompeu a produção de borracha oriunda desse continente.
O ciclo do café passou ao lado da Amazónia e instalou-se nos Estados mais ao Sul da Federação, com uma forte componente mineira e paulista tendo criado uma aristocracia rural que dominou política e economicamente o Brasil durante quase 40 anos - desde o final do século XIX até ao aparecimento de Getúlio Vargas (1930) - e originou a chamada ‘política café com leite’ que alterou o quadro político decorrente da I República (‘República Velha’) e deu origem ao denominado ‘coronelismo’, acabando por contaminar toda a União.
Até meados do século XX verificou-se uma intensiva exploração de produtos agrícolas transacionáveis e exportáveis à volta de 4 grandes polos (cana-de-açúcar, borracha, cacau e café). Na segunda metade do século passado a industrialização vai ao encontro destas forças produtivas mas, concomitantemente, aprofunda as contradições das relações sociais (capitalistas), criando um ‘exército de pobres’ e alargando o número de excluídos.
O ‘agronegócio’ nasce desta conjugação entre a produção agrícola tradicional e a introdução de processos industriais e assenta em modelos de ‘apropriação’, de ‘substituição’ e de ‘rotatividade’, que começaram nos ‘cerrados’ paulistas e mineiros que se estenderem às regiões Centro-Oeste, posteriormente ao Nordeste e, mais recentemente, à Amazónia, envolvendo uma larguíssima ‘mancha fundiária’.
O problema é que toda a cadeia de produção, de processamento e de distribuição estão dependentes dos mercados externos e das flutuações de preços internacionais das ‘commodities’. Daí a intensa rotatividade que apresentam os ciclos económicos no Brasil.
A Amazónia tem sido - dada a sua dimensão - um imenso laboratório das mudanças estratégicas e hesitações táticas do modelo de desenvolvimento brasileiro, gravitando à volta do sector primário (agrário).
A intensificação da produção de soja e da criação de gado são, nesta complexa realidade, um paradigmático exemplo. A fase atual que condiciona na Amazónia o descontrolo do ‘desmatamento’ e está intimamente ligada ao infernal surto incendiário em curso, é a expressão visível deste novo ‘ciclo amazónico’, que a poderosa corrente política ruralista (a ‘bancada do boi’) está apostada em desenvolver, contando com a colaboração de Bolsonaro e da corporação militar (apeada do poder em 1985 mas ainda influente), são a verdadeira 'fonte inspiradora’ das posições soberanistas e nacionalistas do Governo brasileiro, perante a presente ‘crise amazónica’.
A última fase dos ciclos económicos brasileiros com reflexos políticos, sociais e ambientais na Amazónia está umbilicalmente inserida no chamado ‘agronegócio’, ainda em fase de ajustamento. Na verdade, o ‘agronegócio’ não está confinado ao ambiente rural longínquo do sertão ou da imensa floresta tropical, seja em latifúndios ou propriedade de menor dimensão (em ‘sítios’ ou ‘chácaras’), mas envolve também os meios urbanos onde ‘reside’ o sector secundário e se processa a transformação industrial, bem como, o sector terciário que congrega os transportes e o comércio, o que confere a este quadro uma ‘dimensão federalizante’ onde todas as alterações vão ocorrendo ao sabor da dominância política do momento.
A solução do problema, ao contrário do que defende o ‘bolsonarismo’, está - mais uma vez – dependente de soluções globais, não controladas por Brasília. O incremento da produção de soja no presente beneficia da guerra comercial entre os EUA liderados por Trump e a China de Xi Jinping que levou ao incremento das exportações brasileiras para o Oriente. A aliança populista entre Bolsonaro e Trump pode levar o Brasil a ser obrigado a adotar medidas restritivas de exportação da soja para a China (o boicote não é uma atitude a descartar nesta ‘guerra’) o que representaria um fator recessivo fatal para o ‘agronegócio brasileiro’.
Finalmente, a carne, isto é, a senda do ‘boi’. Sendo uma das maiores linhas de exportação brasileiras verifica-se que a evolução tecnológica recente (fabrico e consumo de proteínas artificiais) e constrangimentos nutricionistas e ambientais podem ameaçar, a breve trecho, todo o atual esquema.
No horizonte surge a imagem - a possibilidade - de um fim trágico para o agronegócio brasileiro com consequências irreversíveis e, pior, inimagináveis.
Não tardará muito que a ‘bancada do boi’ se aperceba que para sobreviver incólume à globalização terá de dispensar Bolsonaro.
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