FÉRIAS: - Reflexões avulsas sobre um tema corrente e recorrente…
Com o aproximar do Verão vêm as férias. Interessa saber se esta dualidade (Verão / férias) abrange todos os portugueses. Sabemos bem que não.
Recentemente apareceram estatísticas relativas a este assunto. Quando se constata que mais de 40% dos portugueses não conseguem pagar uma semana de férias por ano fora do seu domicílio link estes dados devem questionar-nos individualmente mas, também, quanto ao nível de desenvolvimento que o País atingiu.
Temos, assim, uma das piores médias da UE, segundo dados revelados pelo Eurostat, e este facto, em certa medida, desmente a evolução do ciclo económico. Verificamos – a partir destes números - que a retoma da crise financeira (2008-14) mostra-se, ainda, muito incipiente.
Estes dados questionam a vida quotidiana dos portugueses e abrem espaços de discussão sobre um tema muito importante que se pode resumir na dualidade - crescimento económico versus qualidade de vida.
Nada resultará em termos de competitividade – um item sempre referido pelo mundo empresarial – se continuarmos na cepa torta e condenarmos os portugueses à exaustão física e intelectual e, mais importante, quando esta se mostrar agregada a baixos salários que impedem qualquer bem-estar.
Os ritmos e os horários de trabalho são – na sua estruturação e duração - decisivos para os chamados ganhos de produtividade. Ignorar este facto será prolongar o ‘marasmo’ ancestral e insistir no crescimento económico a qualquer preço deixando de lado uma outra estratégia mais justa e humana, isto é, o desenvolvimento (integral e equilibrado) acabará por, numa primeira fase, empobrecer-nos e, por fim, destruir-nos.
A estonteante velocidade da evolução e inovação tecnológica bem a robotização progressiva de postos de trabalho devem trazer o problema do horário laboral à berlinda. E por arrasto as férias, seja na capacidade de as concretizar com rotura das rotinas domésticas, seja na sua duração. A produtividade necessita de incentivos e as férias poderão ser um deles (existem outros).
No século XIX falava-se – para a burguesia ascendente e a aristocracia decadente – em ‘ir a banhos’ e os poucos que se arriscavam apareciam nas crónicas sociais dos jornais, revistas e pasquins. Nos campos trabalhava-se de sol a sol e não havia férias por falta de oportunidades, de dinheiro e devido às características da vida e estrutura social do Mundo Rural.
No século XX nasce a chamada vilegiatura mais abrangente já que passa a integrar, a par da alta burguesia, estratos da dita classe média e do funcionalismo público (começará aqui o interregno designado por ‘silly season’), enquanto permaneciam – ou se acentuavam - as restrições aos ‘rurais’ que a labuta campestre continuava a impor. De novo só o desaparecimento de uma aristocracia petulante que a contemporaneidade arredou das vistas e dos antros balneares e das estâncias de lazer.
Finalmente, no século XXI, quando tudo fazia prever a continuidade da cavalgada expansionista das férias consequência da introdução nos meios de produção dos avanços tecnológicos, acrescida de uma resposta mais organizada e sedutora para os tempos livres, a crise financeira de 2008 acabou por ter um efeito contrário e retirar – para muitos - dias de férias e, pior, determinou uma brutal compressão dos vencimentos, levando a que quase metade dos portugueses não disponham de condições para passar um semana fora do domicílio e das rotinas laborais (em férias).
Sem entrar noutros vetores como, p. exº., o tão invocado ‘burn out’ que tem afetado (e continuará a fazê-lo) muitos portugueses verifica-se, à priori, que as inovações e conquistas tecnológicas foram capturadas e estão a ser colonizadas para outros fins, desde há séculos, absolutamente intrínsecos da lógica (e modo de produção) capitalista.
Quando se pensa e fala em concreto sobre ‘qualidade de vida’ será obrigatório incluir neste tema a questão das férias. As pessoas estão a ser enclausuradas numa ‘bolha asfixiante’ que visa exclusivamente o aumento de produtividade e, por esse caminho acabarão divorciadas do mundo real.
Quando esse divórcio ocorrer na sua plenitude – e caminhamos para isso - pouco restará para concretizar um bem inerente à condição humana: a realização integral do indivíduo.
De certa maneira regressamos à temática que Bento Jesus Caraça, nos meados do século XX, defendeu como sendo a ‘cultura integral do indivíduo’. Passado mais de meio século a procissão continua a marcar passo no adro.
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